A recente troca de mísseis entre Irã e Israel provocou mais do que tensão internacional: fez disparar os preços dos combustíveis no Brasil, mesmo a milhares de quilômetros de distância do epicentro do conflito. Segundo Amance Boutin, gerente de desenvolvimento de negócios da Argus, “a escalada das tensões entre Irã, Israel e os Estados Unidos aumentou o risco geopolítico de região chave para o abastecimento global de petróleo e seus derivados”. O impacto foi imediato nos mercados internacionais e chegou rapidamente ao Brasil, país que depende da importação para complementar seu suprimento de diesel.

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Estima-se que cerca de 20% do diesel consumido no território brasileiro venha de fora. Com a instabilidade no Oriente Médio, os fluxos globais de petróleo se reorganizam, gerando pressão sobre fornecedores alternativos. “Os fornecedores do Brasil, tanto nos Estados Unidos como na Rússia, se encontram numa posição em que os países que normalmente compram do Oriente Médio se viram para eles para compensar os barris que faltam”, explica Boutin. Isso significa que, mesmo sem comprar diretamente da região em conflito, o Brasil precisa competir com outros mercados por volumes limitados — e pagar mais por isso.
O risco de fechamento do Estreito de Hormuz, por onde passa grande parte do petróleo global, aumenta ainda mais a tensão. Para Boutin, essa situação “se propaga rapidamente” e força o Brasil a se alinhar com a nova realidade de preços internacionais. “Os compradores que não são diretamente afetados, como o Brasil, precisam então se alinhar com esta nova realidade e aceitar pagar um preço mais elevado para adquirir o produto.”
A disparada nos preços, porém, não deve durar para sempre, segundo a análise da Argus. “A alta das últimas semanas reflete este risco geopolítico exacerbado, que é um fator de curto prazo”, afirma Boutin. No médio e longo prazo, os fundamentos do mercado apontam para uma desaceleração da demanda e uma oferta mais abundante por parte dos países da Opep+, o que deve suavizar os preços — desde que o conflito não se agrave ainda mais.
Um dos efeitos diretos da alta foi o chamado “fechamento da arbitragem de importação”. Isso ocorre quando o diesel importado fica mais caro do que o produto nacional, desestimulando as importações. “Neste cenário, os agentes econômicos não têm incentivo financeiro para importar. Mas podem optar por comprar mesmo assim, para garantir a sua segurança de abastecimento”, pondera o executivo da Argus.
Nesse contexto, a Petrobras ganha competitividade. Como adota uma política que evita repassar de imediato as flutuações do mercado internacional, a estatal oferece preços mais estáveis. “Enquanto ela deixar o preço do seu produto estável, a Petrobras deve ficar mais competitiva do que seus concorrentes que importam”, avalia Boutin.
Apesar do aumento nos preços, não há falta de produto nos portos brasileiros — ao menos por ora. “A alta é o reflexo do risco geopolítico. Não faltam, hoje, produtos nos portos”, destaca. No entanto, algumas regiões do país são mais vulneráveis a essa volatilidade. Norte e Nordeste, por exemplo, têm déficit estrutural de capacidade de refino e dependem mais de diesel importado. Além disso, refinarias privadas nessas áreas tendem a seguir as cotações internacionais. “A maior delas, a refinaria de Mataripe da Acelen, representa um terço do volume de diesel vendido nas duas regiões”, aponta Boutin.
A elevação de preços foi mais intensa no diesel importado do que no nacionalizado. “Isso porque o mercado reflete quase imediatamente o agravamento do conflito”, explica. Já os estoques atuais de diesel nacionalizado ajudam a conter uma alta mais abrupta nesse segmento. A defasagem entre os preços internacionais e os da Petrobras também interfere: “os vendedores de diesel nacionalizado não conseguem vender seus estoques se o descasamento com o preço da Petrobrás for muito grande.”
Com o aumento da volatilidade, os importadores ficam mais cautelosos. “Isso porque aumenta muito o risco de fechar uma venda que possa ficar defasada com o mercado uma vez que o produto chegue”, diz Boutin. Para se protegerem, alguns agentes já recorrem ao hedging, uma estratégia de proteção financeira. “Muitos têm adotado estratégias de hedging, que consiste na cobertura de suas compras no mercado físico com instrumentos financeiros negociados em bolsas estrangeiras”, conta o especialista, citando os contratos futuros de diesel na bolsa de Nova York (Nymex) como exemplo mais comum.
Apesar de não haver escassez imediata, os próximos passos do conflito são imprevisíveis. “É muito difícil tentar prever as variações de mercado ligadas ao risco geopolítico”, admite Boutin. A instabilidade das decisões políticas, como a ação recente dos Estados Unidos ao bombardear o território iraniano, torna qualquer previsão frágil.
Para os agentes do mercado brasileiro, o foco deve ser observar como a oferta e a demanda vão reagir no cenário interno. “Hoje temos estoques suficientes nos portos, mas daqui a um mês?”, questiona Boutin. “Como os agentes de mercado vão reagir a esta situação? Vão assumir o risco de comprar num momento muito volátil ou vão preferir aguardar?”
A resposta, por ora, depende não apenas do humor do mercado, mas do desenrolar de uma crise internacional com epicentro no Oriente Médio e repercussões diretas no bolso do consumidor brasileiro.
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