A Frota Brasileira de Veículos Leves: Uma Jornada Rumo à Sustentabilidade – Parte II

Por Sergio Rebêlo

Projeções para a Próxima Década

Com base nas tendências identificadas e nos programas governamentais em vigor, é possível projetar a evolução da sustentabilidade da frota brasileira de veículos leves para a próxima década.

Matriz de Combustíveis

As projeções para a matriz de combustíveis indicam uma redução gradual na participação da gasolina e um aumento na participação de combustíveis renováveis:

– Redução da participação da gasolina A (pura) de 49,8% em 2024 para 42,0% em 2035;

– Aumento da participação do etanol hidratado para 31,0% em 2035;

– Crescimento da participação de elétricos na frota de veículos leves, atingindo 10% do total segundo estudo Anfavea/BCG.

Estas projeções consideram o impacto do aumento do percentual de etanol na gasolina para 30% já a partir de 2025, conforme previsto na Lei do Combustível do Futuro, e a crescente eletrificação da frota.

O Avanço para o E30: Um Marco na Política de Biocombustíveis

Um dos avanços mais significativos previstos para a próxima década é o aumento do percentual de etanol na gasolina de 27% para 30%, previsto para implementação em 2025. Esta mudança, conhecida como E30, representa um marco importante na política brasileira de biocombustíveis e terá impactos significativos na sustentabilidade da frota.

Viabilidade Técnica

Estudos técnicos realizados pelo Instituto Mauá de Tecnologia, em parceria com a Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), confirmaram a viabilidade técnica da mistura E30 para a frota brasileira:

– Testes em 24 modelos de veículos, sendo 16 de veículos leves, demonstraram compatibilidade com a mistura E30;

– Não foram identificados problemas significativos de desempenho, durabilidade ou emissões.

Impacto Ambiental

O aumento do percentual de etanol na gasolina terá impactos ambientais significativos:

– Redução estimada de 1,7 milhão de toneladas de CO₂ por ano;

– Redução acumulada de 17 milhões de toneladas de CO₂ no período 2025-2035;

– Contribuição significativa para o cumprimento das metas brasileiras no Acordo de Paris.

Estas estimativas consideram o ciclo de vida completo do etanol de cana-de-açúcar, que apresenta uma redução de até 90% nas emissões de gases de efeito estufa em comparação com a gasolina, segundo dados do Ministério de Minas e Energia.

Eficiência Energética

As projeções para a eficiência energética dos novos veículos leves no Brasil indicam:

– Aumento de 30% na eficiência energética média entre 2024 e 2035, considerando a base veículos fabricados em 2014=100;

– Redução de 25% nas emissões de CO₂ por quilômetro rodado até 2035, em comparação com veículos fabricados em 2024.

Estas projeções são baseadas nas metas estabelecidas pelo Programa Mover e nas tendências tecnológicas observadas na indústria automotiva global, conforme dados da EPE (“Demanda de Energia dos Veículos Leves: 2024-2033”).

Eletrificação da Frota

A eletrificação da frota brasileira deve acelerar significativamente na próxima década:

– Aumento na participação de veículos híbridos nas vendas anuais de 5,0% em 2024 para 40,0% em 2035;

– Crescimento na participação de veículos elétricos nas vendas anuais de 2,5% em 2024 para 25,0% em 2035;

– Participação total de veículos eletrificados nas vendas anuais chegando a 65,0% em 2035.

Estas projeções consideram as tendências globais de eletrificação, as políticas de incentivo previstas no Programa Mover e as estimativas da Bloomberg NEF para mercados emergentes.

Evolução na Qualidade dos Lubrificantes (2025-2035)

As projeções para a evolução na qualidade dos lubrificantes para veículos leves no Brasil indicam:

-Adoção de lubrificantes sintéticos: Aumento de 25% do mercado em 2025 para mais de 60% em 2035, impulsionado por requisitos mais rigorosos de eficiência e durabilidade dos motores modernos;

-Redução nas viscosidades: Evolução gradual para lubrificantes de baixíssima viscosidade, com consolidação de 0W20 e 0W40 até 2027, adoção mais ampla de 0W16 até 2030, e início da utilização de 0W8 até 2035;

-Especificações mais rigorosas: Implementação da nova especificação API SQ em março de 2025, com foco em atender normas mais rigorosas de controle de emissões. Atualmente (abril/2024) há pelo menos 18 produtos (formulações) distintos já aprovados pela ANP para comercialização;

-Lubrificantes para veículos eletrificados: Desenvolvimento de produtos especializados para veículos híbridos e elétricos, com características específicas para atender às necessidades de motores que ligam e desligam sucessivas vezes;

-Maior biodegradabilidade: Aumento no uso de bases vegetais e aditivos biodegradáveis, reduzindo o impacto ambiental dos lubrificantes;

-Extensão dos intervalos de troca: Aumento gradual nos intervalos de troca de óleo, de uma média inferior a 10.000 km em 2025 para algo mais próximo a 15.000 km em 2035 para veículos de passeio.

 

Estas projeções são baseadas nas tendências de eletrificação e downsizing de motores observadas na indústria, na especificação de motores que demandam combustíveis e lubrificantes de melhor qualidade, além da mudança de hábitos por parte dos consumidores, como a migração de veículos a combustão interna para veículos eletrificados e a adesão ao óleo e aos intervalos de troca recomendados pelas montadoras.

Materiais Recicláveis

Com base nas regulamentações estabelecidas pelo Programa Mover e nas tendências da indústria, projeta-se:

– Aumento do percentual de material reciclável nos veículos novos de 75% em 2024 para 85% em 2030 e 90% em 2035;

– Crescimento da taxa efetiva de reciclagem de veículos em fim de vida de menos de 2% em 2024 para 15% em 2030 e 30% em 2035.

Indicadores-Chave de Sustentabilidade

A combinação das projeções nas seis dimensões analisadas (matriz de combustíveis, eficiência energética dos motores, uso de materiais recicláveis, qualidade dos lubrificantes, eletrificação e emissões de GEE) resulta na seguinte evolução dos indicadores-chave de sustentabilidade da frota brasileira de veículos leves:

Estas projeções indicam uma melhoria significativa na sustentabilidade da frota brasileira de veículos leves na próxima década, com avanços em todas as dimensões analisadas.

Fatores Críticos para o Sucesso

O sucesso destas projeções depende de diversos fatores:

-Continuidade e fortalecimento das políticas públicas: Programas como o RenovaBio, Rota 2030 e Mover precisam ser mantidos e fortalecidos;

-Investimentos em infraestrutura: Especialmente para suportar a crescente eletrificação da frota;

-Desenvolvimento da cadeia de reciclagem: Para viabilizar o aumento na taxa de reciclagem de veículos em fim de vida;

-Competitividade do etanol: Manutenção de preços competitivos em relação à gasolina;

-Transferência de tecnologia: Acesso a tecnologias avançadas de eficiência energética e eletrificação.

Conclusão: O Brasil no Cenário Global de Mobilidade Sustentável

A análise da evolução da sustentabilidade da frota brasileira de veículos leves no período 2014-2024 e as projeções para a próxima década revelam um panorama promissor. Apesar dos desafios persistentes, as evidências indicam que o Brasil está construindo um modelo único de mobilidade sustentável, que combina biocombustíveis, eletrificação gradual, aumento da eficiência energética, uso crescente de materiais recicláveis e melhoria na qualidade e reciclabilidade dos lubrificantes, óleos básicos e embalagens.

Este modelo híbrido de descarbonização, que aproveita as vantagens comparativas do país, posiciona a frota brasileira de veículos leves como uma das mais sustentáveis do mundo em termos de emissões de gases de efeito estufa, quando considerado o ciclo de vida completo dos combustíveis.

Cinco fatores principais sustentam esta posição de destaque no cenário global:

  1. Liderança em biocombustíveis: O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo e o terceiro maior produtor de biodiesel. O etanol brasileiro reduz as emissões de CO2 em até 90% em relação à gasolina quando avaliado o ciclo de vida completo.
  2. Matriz energética limpa: O Brasil possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com alta participação de fontes renováveis, proporcionando uma vantagem comparativa significativa para a sustentabilidade da frota veicular.
  3. Combinação única de tecnologias: A abordagem brasileira combina biocombustíveis, eletrificação gradual e aumento da eficiência energética, criando um modelo híbrido de descarbonização que aproveita as vantagens comparativas do país.
  4. Potencial de expansão do E30 para E35: A Lei do Combustível do Futuro permite o aumento do percentual de etanol na gasolina para até 35%, ampliando ainda mais os benefícios ambientais.
  5. Tecnologia flex-fuel: A frota brasileira é predominantemente flex-fuel, permitindo uma transição mais suave e flexível entre diferentes combustíveis.

Para que este potencial se concretize plenamente na próxima década, será necessário um esforço coordenado entre governo, indústria e sociedade civil. A continuidade e o fortalecimento das políticas públicas, os investimentos em infraestrutura, o desenvolvimento da cadeia de reciclagem, a manutenção da competitividade do etanol e o acesso a tecnologias avançadas são fatores críticos para o sucesso.

Se estes desafios forem superados, o Brasil tem condições de se posicionar como um líder global em mobilidade sustentável, consolidando um modelo de descarbonização que pode servir de exemplo para outros países em desenvolvimento.

 

 

Sérgio Rebêlo é Sócio-Diretor da FactorK, consultoria, com ênfase em estratégia, programas de internacionalização e fusões e aquisições. • Administrador de Empresas pela EAESP-FGV, com MBA pela EAESP/FGV Brasil e OneMba -Kenan-Flagler Business School (Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill); EGADE (Tecnologico de Monterey/ Graduate School of Business Administration); Erasmus School of Business/ Rotterdam School of Management and The Chinese University of Hong Kong. Membro do Beta Gamma Sigma Society. • Palestrante em eventos nas áreas de óleos básicos e lubrificantes: ICIS PanAmerican; ICIS London; Lubgrax; AEA; Encontro com o Mercado – Lubes em Foco.Diretor Financeiro (Probono) do Museu de Arte Moderna de São Paulo entre 2019 e 2022.

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