A Câmara Municipal de São Paulo aprovou, em primeira votação, um projeto de lei que, na prática, desobriga as empresas de ônibus a comprarem apenas ônibus elétricos para renovação da frota —medida que está em vigor desde outubro de 2022, após uma circular emitida pela SPTrans, estatal que administra o transporte público municipal na cidade.
A nova lei, caso entre em vigor, dá até 30 anos para a frota ser totalmente elétrica no município.
O projeto de lei, de autoria do vereador Milton Leite (União), presidente da Casa, foi aprovado em primeira votação na última quarta-feira (4). Ainda não há data para a segunda votação, mas está prevista a realização de uma audiência pública na tarde desta segunda-feira (9) na Câmara, para debater o assunto.
Na justificativa da mudança na lei, Milton Leite cita que a tecnologia para fabricação de ônibus elétricos “ainda não alcançou maturidade suficiente no mercado brasileiro para atender à demanda em larga escala”.
“Essa limitação é agravada pela ausência de investimentos essenciais por parte da concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica, que não promoveu a construção da infraestrutura necessária para abastecimento e recarga, como subestações e redes de distribuição. Essa falta de preparo compromete a possibilidade de cumprimento das metas nos próximos dois ou três anos”, diz o texto.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou à Folha que, antes de decidir se vetará ou se vai manter a nova lei, caso aprovada em definitivo, vai conversar com os os secretários de Transportes e de Mudanças Climáticas.
A reportagem apurou, entretanto, que as duas pastas só tomaram conhecimento do projeto depois que ele já constava no site da Câmara, ou seja, a alteração nas regras para mudança da frota não foi discutida com a administração municipal.
Questionado se procurou a prefeitura para debater o projeto antes de ele ser colocado em votação, Leite não respondeu até a publicação deste texto.
O projeto teve tramitação relâmpago. Foi apresentado em comissões na terça passada (3) e no dia seguinte já foi aprovado e votado em primeira votação. Ele altera duas leis, uma de 2009 e outra de 2018.
Segundo o texto, os lotes de veículos substitutos de cada operadora devem ser compostos, obrigatoriamente, por ônibus equipados com motores ou combustíveis que apresentem menor impacto poluidor em comparação aos veículos convencionais substituídos. Mas não obriga a eletrificação.
O texto da nova lei ainda autoriza as empresas a comprarem créditos de carbono, a partir de três anos da aprovação do projeto, como forma de compensar emissões de CO2 (dióxido de carbono).
Ainda conforme a redação da proposta, o sistema de transporte terá 30 anos para se atingir 95% de redução nas emissões de material particulado (partículas produzidas geralmente pela queima de combustíveis fósseis).
A licitação do sistema de ônibus na cidade, assinada em 2019 pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB), estipulou como meta a diminuição de 95% em 20 anos.
Como mostrou a Folha, uma disputa entre a Prefeitura de São Paulo empresas de transporte e a Enel tem impedido a implementação de ônibus elétricos na cidade. A briga tem como foco a construção da infraestrutura necessária para que os veículos possam ser carregados e consigam rodar na cidade.
Em nota por meio de sua assessoria, o vereador afirma que atualmente há a necessidade de renovação de cerca de 3.500 ônibus que compõem o sistema. “No entanto, a concessionária de energia não fez os investimentos necessários para o suprimento de eletricidade, seja nas redes de baixa, média ou alta tensão.”
“Diante dessa mesma dificuldade, o projeto de lei também traz a possibilidade de que as empresas busquem as compensações ambientais necessárias em relação à emissão de poluentes.”
Na defesa do projeto, Leite, que é conhecido pela sua ligação com empresas de ônibus, diz que se busca criar condições para que o mercado brasileiro tenha o tempo adequado para se adaptar às exigências de implementação de veículos movidos a fontes alternativas de energia limpa, bem como para que a infraestrutura de abastecimento e recarga.
Quando enviou a circular obrigando as empresas a comprarem apenas ônibus elétricos, Nunes disse que a meta era que até até dezembro de 2024, ou seja, até o fim do seu atual mandato, ao menos 20% da frota deveria ser de veículos movidos a bateria. O percentual atinge apenas 3,6% atualmente.
Segundo a SPTrans, dos 13.285 ônibus em operação no município, 491 são elétricos, sendo 290 a bateria e 201 trólebus.
Em nota, a prefeitura diz que aguarda o trâmite do projeto no âmbito do legislativo e reforça que a cidade tem a maior frota de ônibus elétricos do país.
Também em nota, a concessionária Enel afirma que em relação à infraestrutura para o abastecimento de energia das garagens, tem participado de reuniões semanais com as viações, sempre com o acompanhamento da SPTrans.
“A companhia vem trabalhando junto aos operadores, analisando cada uma das possíveis soluções em função das necessidades específicas, seja para a conexão elétrica individual de cada uma das garagens ou mesmo para possíveis hubs compartilhados de carregamento.”
De acordo com a Enel, as soluções a serem implementadas para cada garagem podem variar, de acordo com aspectos técnicos, econômicos e a definição dos operadores. “Há soluções de curto e médio prazo, todas devidamente compatibilizadas com o avanço gradual do aumento da frota elétrica.”