Ações de empresas de hidrogênio verde nos EUA e na Europa desabam com demanda baixa

Os valores das ações de empresas de hidrogênio limpo nos EUA e na Europa desabaram em meio ao adiamento de projetos do setor, à medida que a indústria enfrenta uma demanda menor do que a esperada, incertezas regulatórias e crescente ceticismo dos investidores.

Os papéis das empresas Plug Power, Ballard Power Systems e Green Hydrogen Systems caíram mais de 50% este ano, atingindo seus valores mais baixos na história, ao mesmo tempo que relataram perdas trimestrais repetidas. As ações da Nel, Bloom Energy e ITM Power caíram um terço.

O S&P Kensho Global Hydrogen Economy Index, que acompanha empresas da cadeia de hidrogênio de baixo carbono, voltou a níveis semelhantes aos de meados de 2020, zerando os ganhos obtidos no final de 2020 e início de 2021, quando houve o auge do entusiasmo pelo desenvolvimento da energia verde.

O hidrogênio verde é visto como crucial para a descarbonização de indústrias superconsumidoras de energia, como as de aço e de transporte marítimo. O combustível pode ser produzido por meio de fontes renováveis para criar “hidrogênio verde” ou usando gás para gerar “hidrogênio azul”, onde as emissões de carbono resultantes são capturadas e armazenadas.

No mês passado, a consultoria McKinsey reduziu em 70% sua previsão de hidrogênio verde para 2030 nos EUA, prevendo que o país não atingiria sua meta de produção de 10 milhões de toneladas de hidrogênio limpo estabelecida pelo governo Biden.

Em julho, o Tribunal de Contas Europeu, órgão fiscalizador de gastos do bloco, alertou que a meta da UE de produzir 10 milhões de toneladas de hidrogênio verde até 2030 era “irreal” e que era necessário uma checagem.

“O hidrogênio verde ainda é um lixo em termos de investimento”, afirmou Mark Lacey, chefe de ações temáticas da Schroders, acrescentando que o gestor de ativos do Reino Unido tinha “exposição limitada” ao hidrogênio verde em seus portfólios de energia.

A queda do mercado de hidrogênio marca uma reviravolta em relação à euforia dos investidores há apenas dois anos, quando o presidente Joe Biden sancionou créditos fiscais lucrativos na Lei de Redução da Inflação, que transformou os EUA no destino mais atraente para a produção de hidrogênio. Ao mesmo tempo, a UE avançava com sua estratégia para o hidrogênio.

Isso ocorria enquanto as ações de empresas de energia nuclear dispararam para máximos históricos devido à crescente demanda por energia da inteligência artificial.

A incerteza sobre as regras de crédito fiscal dos EUA e as regulamentações rigorosas na UE —combinadas com a demanda fraca— prejudicaram projetos em ambos os lados do Atlântico. Embora a capacidade anunciada tenha crescido, apenas 18% dos projetos de hidrogênio limpo na América do Norte e 5% dos projetos na Europa com previsão de entrar em operação até 2030 chegaram a uma decisão final de investimento, de acordo com relatório da McKinsey e do Hydrogen Council.

“Tem sido um caminho doloroso”, disse Andy Marsh, CEO da Plug Power, fabricante de equipamentos de hidrogênio. A empresa confirmou que suspendeu o desenvolvimento de seu projeto de US$ 290 milhões (R$ 1,65 bilhão) em Nova York, que seria o maior da América do Norte, e está enfrentando uma crise de caixa.

“Tínhamos expectativas irreais sobre a rapidez com que isso poderia avançar inicialmente”, lamentou Marsh.

A decisão da Plug Power é um dos vários contratempos deste ano para o combustível nascente. No mês passado, a desenvolvedora americana Hy Stor encerrou seu contrato de 1 GW com a fabricante norueguesa Nel para um projeto de hidrogênio de alto perfil no Mississippi (EUA). Desenvolvedores corporativos, incluindo Marathon Petroleum, Fortescue e CNX, atrasaram ou desistiram de seus compromissos com o programa de hubs de hidrogênio de US$ 7 bilhões (R$ 39,95 bilhões) de Biden.

“Haverá uma reestruturação”, disse Hakon Volldal, CEO da Nel, que anunciara uma fábrica de US$ 400 milhões (R$ 2,28 bilhões) em Michigan (EUA) no ano passado para fabricar equipamentos de hidrogênio, mas não avançou no desenvolvimento, citando “falta de impulso” devido a custos mais altos do que o esperado e falta de regras claras de crédito fiscal.

“É simplesmente estúpido ter uma grande fábrica com máquinas brilhantes e reluzentes que podem entregar gigawatts e depois ninguém comprá-las porque não há projetos” – Hakon Volldal, CEO da Nel

A lenta implementação das regras de crédito fiscal da Casa Branca e a baixa demanda atingiram mais duramente as empresas menores e menos diversificadas. Os preços das ações de grandes empresas de energia diversificadas com negócios de hidrogênio, como Cummins, Air Liquide e Linde, aumentaram desde o início do ano, à medida que as previsões de demanda por energia aumentaram.

Na Europa, o financiamento governamental lento e insuficiente, juntamente com barreiras regulatórias em alguns locais, frustraram o desenvolvimento.

Esta semana, a espanhola Repsol divulgou que suspendeu todos os seus projetos de hidrogênio verde na Espanha. No mês passado, a Shell cancelou um de hidrogênio azul na Noruega, dizendo que “não viu o mercado para o hidrogênio azul se materializar”.

A Repsol culpou a extensão de um imposto sobre lucros inesperados para empresas de energia por sua decisão. Mas Tomás Malango, diretor de combustíveis renováveis e economia circular da empresa, disse que poucos projetos na Europa chegaram a uma decisão final de investimento porque havia pouca flexibilidade nas regras da UE. “O risco é maior se você só tiver uma chance”, avaliou.

Apesar dos atrasos, apenas uma pequena fração dos projetos no mundo foi cancelada, proporcionando esperança à indústria de que a clarificação por parte da União Europeia e dos EUA sobre incentivos e regulamentação poderia ajudar o setor a se recuperar. A Wood Mackenzie estima que cerca de 2% da capacidade existente e planejada de hidrogênio de baixo carbono foi descartada ou cancelada nos últimos 18 meses.

As petrolíferas Saudi Aramco e Adnoc, do Oriente Médio, continuam a investir em hidrogênio limpo, com a última tendo assinado um acordo no mês passado para comprar uma participação de 35% no projeto de hidrogênio Baytown da ExxonMobil no Texas.

A Comissão Europeia lançou um modelo de financiamento no início deste ano para reduzir o custo do hidrogênio verde e buscava criar “mercados de demanda” por meio de leilões públicos, de acordo com autoridades envolvidas. O Departamento de Energia dos EUA reservou US$ 1 bilhão (R$ 5,7 bilhões) para um programa para estimular a demanda por hidrogênio.

Mas a indústria de hidrogênio europeia reclamou que a definição de hidrogênio verde da comissão é muito rígida. Nos EUA, um debate acirrado tem ocorrido há quase dois anos sobre o tamanho do rigor que o governo Biden deve estabelecer para o hidrogênio verde em suas regras de crédito fiscal, atrasando investimentos e forçando desenvolvedores a queimar caixa.

Aviva Aron-Dine, secretária assistente do Tesouro para política tributária, disse a jornalistas no início deste mês que as regras finais para o hidrogênio seriam divulgadas até o final do ano.

“Resumindo, o IRA é uma ferramenta muito boa em princípio, mas quando há clareza limitada sobre as regulamentações… é difícil tomar a decisão final de investimento”, disse Volldal.

“Você tem esse grande cofrinho, e não consegue tirar nada dele. Você o sacode, mas nada sai.”

Fonte: Folha de São Paulo