A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) adiou novamente a decisão sobre o recurso do Instituto Combustível Legal (ICL) que questiona regras relativas à chamada “bomba branca”. Na reunião ordinária desta quinta-feira (8/8), o diretor substituto Bruno Caselli, que assumiu em julho a vaga aberta desde a saída de Cláudio Jorge no fim de 2023, pediu vistas a fim de “conhecer melhor” o processo.
Foi a primeira reunião com a participação de Caselli. A vaga vinha sendo ocupada por Patrícia Baran, primeira da lista de substituição.
Essa é a segunda solicitação seguida para dilatação do prazo de análise do recurso. Na reunião de 26 de julho, o diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, também pediu vistas. Agora, o item deve retornar à pauta no próximo encontro, marcado para 22 de agosto.
Caselli é superintendente de Participações Governamentais (SPG) e, desde 30 de julho, está à frente da Diretoria 4.
A diretoria é responsável pelas superintendências de Avaliação Geológica e Econômica (SAG), de Exploração (SEP), de Infraestrutura e Movimentação (SIM) e de Defesa da Concorrência (SDC). Antes de ser superintendente da SPG, Caselli esteve à frente da SDC.
O recurso do ICL
O tema da bomba branca é objeto da resolução 858/2021, editada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), e de sua complementação, a resolução 948/2023. As normas contestadas pelo Instituto Combustível Legal tratam da disponibilização de informações sobre o fornecedor de combustível, seja ele bandeirado ou não, nas bombas dos postos.
A regulamentação atual impõe que o revendedor que “optar por exibir marca comercial” e comercializar combustíveis “de outros fornecedores” faça a devida identificação do produto em questão e do nome fantasia das marcas concorrentes. Abre-se, portanto, a brecha para a bomba branca.
À época da implementação, o objetivo defendido pelo então governo federal era estimular a competitividade. Bolsonaro chegou a tentar por medida provisória, que não prosperou no Congresso. Em relação ao impacto para os preços na bomba, a estratégia não funcionou.
O pleito do Instituto Combustível Legal foi rejeitado inicialmente pelo relator do caso, Daniel Maia. Na última reunião da ANP, em 26 de julho, ele considerou que não havia razão efetiva para uma revogação imediata.
“Porque toda essa discussão a respeito do impacto em mercado e direito do consumidor havia sido enfrentada quando da edição da norma [em novembro de 2021], e a gente não tinha uma obrigação legal, neste momento, de fazer essa análise de resultado regulatório”, explicou o diretor da ANP à agência epbr.
“Eventualmente, iremos fazer essa análise de resultado regulatório”, completou.
Ao negar a revogação solicitada pelo ICL, Maia afirmou não se tratar de uma antecipação de posição sobre comercialização de combustíveis de fornecedores diferentes às marcas vinculadas aos pontos, as chamadas bandeiras.
Ele pondera que a entidade reguladora poderá inserir o tema em sua agenda de revisões, abrindo um “novo rito de alteração” a fim de manter o regramento atual, reformulá-lo ou mesmo decidir por uma suspensão total de seus efeitos. Avalia, por outro lado, que “esse não é o momento” propício à análise.
Na visão dele, outros aspectos também devem ser considerados em um eventual novo regulamento sobre a garantia do direito à informação ao consumidor, como a própria origem do combustível e a logística de distribuição.
“A agenda regulatória, a gente vai discutir esse ano, inclusive fazendo uma consulta pública e uma audiência pública sobre essa nossa agenda. E, certamente, o ICL e os distribuidores irão apresentar como uma das prioridades deles essa norma.”
“A minha conclusão foi, não sendo o caso de anulação, e neste momento não sendo o caso de revogação, tampouco o momento para discutir e inserir na agenda, a de que não cabe deferir esse pleito do ICL”, justificou.
Grandes distribuidoras condenam ‘bomba branca’
De acordo com o Instituto Combustível Legal, ao regrar a disponibilização de informação ao consumidor na bomba, a ANP permite que os motoristas que optam por uma determinada marca varejista comprem combustível de uma concorrente, sem saber a origem do produto, dentro do mesmo estabelecimento.
“A bomba branca coloca o consumidor em risco. O posto revendedor é escolhido por conta da marca apresentada na testeira, há, portanto, legítima pretensão de adquirir aquele combustível específico”, alega o ICL, que representa as grandes distribuidoras do mercado.
No recurso protocolado na ANP, a entidade também argumenta que a regra que consta da resolução 868/2021 viola direitos dos consumidores à informação e aponta supostas ilegalidades no processo que resultou na sua aprovação, devendo, portanto, ser declarada nula.
Ao ser provocada sobre o assunto, em novembro de 2022, a ANP considerou que as regras estavam em linha com o regramento estabelecido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), sobretudo no que diz respeito à tutela regulatória do uso da marca comercial do distribuidor por revendedor varejista de combustíveis.
Ou seja, a agência entendeu que a obrigatoriedade da disponibilização de informações representava, na prática, o fim da tutela regulatória à bandeira.
Com isso, o posto (bandeirado ou não) assume o risco de punição caso não informe, em cada bomba, a marca da distribuidora responsável pelo combustível associado à sua operação de revenda.
ICL: tancagem não é problema
Ao proferir o seu voto, Daniel Maia chamou atenção para outros aspectos que, segundo ele, devem ser considerados na análise de mérito do recurso do ICL. Por exemplo, a própria origem do combustível e a logística de distribuição.
Segundo dados levantados pela Superintendência de Distribuição e Logística da ANP, apenas 28% da capacidade de tancagem dos distribuidores no país é própria. O restante é tancagem compartilhada (em pools ou cessão de espaço).
“Nós podemos ter combustíveis em postos de marcas diferentes, mas que foram oriundos do mesmo tanque de distribuidoras diferentes, e eventualmente de produtores diferentes, que foram misturados no mesmo tanque e já não temos mais como saber qual foi a verdadeira origem produtora”, disse Maia, em 26 de julho.
O ICL, por sua vez, considera que não há risco de adulteração em razão das características de armazenagem de combustíveis oriundos das grandes distribuidoras. A visão da entidade é de que todo o processo é feito com protocolos rígidos de segurança e passíveis de inspeção.