Na semana passada, o Brasil viu a aprovação de uma emenda no marco legal do hidrogênio que ampliou os limites de emissões de 4 kgCO2 para 7 kgCO2 por cada 1 kg de hidrogênio produzido.
O volume é quase o dobro do considerado “baixo carbono” pela União Europeia (3,384 kgCO2/kgH2), potencial maior mercado importador do energético produzido no Brasil, e fica mais próximo da intensidade de carbono do hidrogênio cinza, de gás natural, que é considerado altamente poluente com seus 10 kgCO2/KgH2.
A mudança de última hora ocorreu sob a justificativa de incluir o etanol na produção do hidrogênio de baixo carbono, e intensificou o entendimento de que a certificação para contabilizar as emissões de carbono será essencial para demonstrar a sustentabilidade do hidrogênio produzido no Brasil.
Para Cristina Amorim, do Instituto Climainfo, além de não ter passado pelo debate público, a medida pode abrir caminho para o uso de combustíveis fósseis, incluindo carvão, o que contraria os esforços para a transição energética sustentável.
“Foi uma emenda sem debate com a sociedade. Nos preocupa muito, pois pode incluir fósseis e até carvão. Já havia um sinal amarelo, que agora está quase vermelho. Há um risco de não conseguirmos exportar nosso hidrogênio. Teremos que trabalhar para ter uma certificação muito robusta”, alertou em entrevista à agência epbr.
Ela avalia que há um descompasso entre os subsídios recebidos por combustíveis fósseis e energias renováveis. Para Cristina, a decisão do Congresso evidencia uma visão de curto prazo que não leva em conta a emergência climática global.
“O sinal que estamos dando é que não tratamos com seriedade a emergência climática, por uma visão de curto prazo. Novamente o Brasil está jogando fora uma oportunidade de liderança global”.
Mercado irá regular
Fernanda Delgado, diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), analisa, no entanto, que o mercado será o regulador natural da intensidade de carbono aceitável por quilo de hidrogênio produzido.
“Quem vai determinar ou escolher a quantidade de emissões por quilo de hidrogênio produzido vai ser o mercado. Então, não vimos com nenhuma dificuldade essa alteração. O comprador é quem vai dizer o espectro que ele consegue acomodar na compra dele, isto é, a quantidade de CO2 por quilo de hidrogênio. Então tudo vai ser resolvido na certificação”, explica à epbr.
A executiva aponta que a certificação será crucial para garantir a qualidade do hidrogênio produzido e manter a competitividade no mercado global.
Ela lembra que o marco legal também prevê que a concessão de créditos, dentro do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), priorize projetos com menor intensidade de emissões de gases do efeito estufa.
Estão previstos no programa incentivos financeiros no valor de 18,3 bilhões de reais entre 2028 e 2032.
“A lei privilegia o hidrogênio a partir das rotas de menor emissão para concessão dos incentivos, o que deixa a gente confortável. Entendemos que o mercado vai regular isso privilegiando as rotas de menor emissão. Não vimos nenhum prejuízo para o hidrogênio verde”, avalia Delgado.
Pêga de surpresa com a flexibilização dos limites, a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica) também concorda que a certificação terá um papel fundamental.
“Essa alteração nos pegou de surpresa, uma vez que esse valor foi muito flexibilizado e não passou por discussão prévia, seja na Comissão da Câmara ou do Senado. Sem dúvida, os 4 kg de CO2/kg de H2 produzido beneficiaria muito mais as rotas renováveis do que os 7 kg para fins dos incentivos inseridos no Projeto de Lei”, comenta André Themóteo, especialista em novos negócios na Abeeólica.
Ele observa que a regulamentação ainda precisa definir qual será o ciclo de vida e os critérios para contabilização das emissões de gases de efeito estufa considerados na certificação.
“Ainda não está clara qual a fronteira para esses 7kg e quais os escopos do GHG Protocol considerados. O cliente é quem irá definir o requisito e a quantidade de carbono no seu produto hidrogênio. Assim, a certificação também terá papel fundamental”.
Marcos Ludwig, advogado do escritório Veirano, ressalta que a certificação também será necessária para projetos de hidrogênio que queiram acessar os benefícios fiscais previstos Rehidro (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono).
“Para acessar o Rehidro, ele sabe que vai ter que certificar. Mas certamente será necessária a regulação que vai explicar isso melhor”.
Ludwig também pontua que a “onda de regulações”, após a aprovação do marco legal, deve abranger os incentivos fiscais e aspectos tributários, sob a alçada da Receita Federal e do Ministério da Fazenda, que também poderão exigir a certificação.
Benefício para os biocombustíveis
Sérgio Augusto Costa, presidente da Associação Brasileira de Hidrogênio e Combustíveis Sustentáveis (ABHIC), acredita que a ampliação dos limites de emissões pode ser benéfica para o mercado interno de biocombustíveis.
“Entendemos que, ao se ampliar o limite de emissões, ampliam-se os benefícios do marco regulatório do hidrogênio para os biocombustíveis, o que é benéfico como um todo para o desenvolvimento do mercado brasileiro, para produção e consumo interno, já que temos um grande potencial,” explica Costa.
No entanto, ele ressalta que o hidrogênio destinado à exportação deverá atender às rigorosas exigências de certificação dos mercados compradores.
“Caso o derivado do hidrogênio seja para exportação, deverá atender às exigências de certificação conforme os requisitos do mercado comprador. É o mercado comprador que define o limite de CO2 equivalente/kg H2 do derivado (amônia, metanol, combustível sustentável de avião – SAF)”.