A recente decisão do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) de aumentar as alíquotas do ICMS sobre a gasolina, o diesel e o gás de cozinha (GLP) reacendem a preocupação com o aumento de preços e seu efeito cascata na economia. A medida, que já tem precedentes, está amparada legalmente e, segundo especialistas, deve resultar em mais um repasse de custos para o consumidor final, com potencial de pressionar a inflação.
Pedro Bresciani, sócio do Utumi Advogados e especialista em direito tributário, explica que o aumento tem como base o artigo 3º, V, da Lei Complementar 192/2022, que permite aos estados e ao Distrito Federal fixar as alíquotas do chamado ICMS monofásico. De forma direta, ele afirma que “com o aumento de alíquotas, aumenta a carga tributária incidente sobre gasolina, diesel e gás de cozinha”. Bresciani destaca uma característica técnica crucial dessa tributação: as alíquotas são ad rem, ou seja, incidem sobre a unidade de medida do produto e não sobre o seu valor de venda. Isso significa que a elevação do imposto é um valor fixo por litro ou por quilo, elevando o custo independentemente das variações de preço do produto.
O impacto desse reajuste vai muito além do custo direto no posto de gasolina. O especialista em direito tributário ressalta que “o aumento de carga tributária implica aumento de custos para as empresas do setor de combustíveis, que será repassado para demais agentes econômicos e para o consumidor final”. Essa visão é corroborada por Gabrielle Moreira, especialista em combustíveis da Argus, que descreve o fenômeno como um “efeito cascata na economia”. Ela explica que, com o diesel e a gasolina mais caros nos postos, “essas altas tendem a ser repassadas para os custos de transportes, que acarretam as altas de preços de produtos e serviços”. Ambos os especialistas concordam que, por se tratar de um produto essencial, “seria difícil dizer que apenas um elo da cadeia é prejudicado ou mais prejudicado”, com os repasses acontecendo “em todos os pontos até chegar ao consumidor final”.
Apesar do aumento do imposto, a dinâmica do mercado de combustíveis tende a mostrar uma resiliência inesperada. Segundo Gabrielle Moreira, o aumento de preços provocado pela tributação tem um “efeito na demanda é praticamente anulado pela necessidade de consumo”. Ela observa que mesmo após elevações do ICMS, a demanda por diesel e gasolina cresceu em meses subsequentes, o que demonstra o impacto limitado sobre o consumo. Por outro lado, a oferta pode ser afetada por um comportamento específico das empresas. “Já vimos as importações crescerem no período pré-mudança de imposto como uma forma de algumas empresas conseguirem obter um ganho contábil, com a formação de estoques antes da virada do mês”, relata a especialista. Essa estratégia, no entanto, nem sempre é eficaz, e pode resultar em uma sobre oferta que força as empresas a “escoar produtos a preços abaixo do inicialmente planejado”.
Ainda que a decisão tenha base legal, a essencialidade dos combustíveis para a vida cotidiana e a economia pode abrir margem para discussões no âmbito judicial. Pedro Bresciani avalia que o princípio da seletividade do ICMS — que sugere uma alíquota menor para produtos essenciais — pode ser o cerne de futuros questionamentos. Ele prevê que é “possível que haja discussões no Judiciário sobre a necessidade de aplicação de alíquotas menores, considerando a essencialidade desses produtos e tendo por base a comparação com os percentuais aplicados nas demais operações sujeitas ao imposto.” A elevação, portanto, traz consigo não apenas a certeza do aumento de custos, mas também a incerteza de possíveis batalhas legais sobre a justiça da tributação de produtos tão fundamentais.