Com o Brasil consolidado como terceiro maior produtor mundial de milho, o uso do grão como matéria-prima para biocombustíveis tem ganhado cada vez mais espaço, especialmente no Centro-Oeste, onde a oferta de milho safrinha é abundante e o custo competitivo. Essa disponibilidade tem favorecido a instalação de usinas dedicadas exclusivamente ao etanol de milho. Segundo Ricardo Blandy, diretor executivo da ComBio, esse movimento só foi possível graças a avanços tecnológicos anteriores. “Pouca gente sabe, mas o crescimento do milho safrinha está diretamente ligado à evolução genética da soja. Os ciclos mais curtos e produtivos da soja abriram espaço para uma segunda safra forte e rentável”, explica.

De acordo com dados da UNEM (União Nacional do Etanol de Milho), a produção desse tipo de biocombustível cresceu 36% na última safra. Para Blandy, o avanço se deve à entrada de novas usinas, aumento da eficiência produtiva e incentivos estaduais. “A redução da ociosidade nas plantas existentes, aliada à competitividade do milho frente à cana-de-açúcar em algumas regiões, foi determinante”, avalia. O cenário de expansão, no entanto, traz desafios importantes, principalmente na esfera logística e energética. O transporte do milho até as usinas e a posterior distribuição do etanol ainda sofrem com gargalos de infraestrutura. Além disso, o alto custo da energia térmica – especialmente o vapor, fundamental no processo – impacta diretamente na competitividade do setor.
O vapor é peça-chave em diversas etapas da produção do etanol, desde o cozimento do milho até a fermentação, destilação e secagem do DDGS (coproduto rico em proteína usado na nutrição animal). Tradicionalmente, a geração dessa energia é feita “dentro de casa”, pelas próprias usinas, mas esse modelo começa a ser revisto. “Produzir vapor internamente exige investimentos altos em caldeiras e sistemas de geração. Além disso, muitos equipamentos são antigos, ineficientes e de manutenção complexa”, destaca Ricardo. Diante disso, ganha força um modelo alternativo: a terceirização da produção de energia térmica.
Nesse modelo, empresas especializadas assumem a responsabilidade pela operação de geração de vapor, construindo e operando o sistema térmico por contrato. “A usina paga apenas pelo vapor útil consumido, em um modelo as a service. Toda a gestão técnica, regulatória e de biomassa fica com o parceiro, o que libera a planta para focar em seu core business”, explica o executivo. Os benefícios são variados: redução do CAPEX — sigla para Capital Expenditure (Despesas de Capital), que são os gastos com aquisição, manutenção ou melhoria de ativos fixos —, previsibilidade de custos, maior eficiência operacional e apoio às metas de sustentabilidade.
A biomassa utilizada nessa geração de energia inclui cavaco de madeira, bagaço de cana e, em menor escala, palha de milho e outros resíduos agrícolas. Segundo Blandy, o impacto ambiental tende a ser positivo. “Essas biomassas substituem combustíveis fósseis e aproveitam resíduos do agronegócio, reduzindo a pegada de carbono”, afirma. Ele também destaca que a especialização dos parceiros permite uso de tecnologias avançadas, como caldeiras com leito fluidizado, controle automático da combustão e manutenção preditiva via monitoramento remoto.
Para plantas já em operação, a implementação do modelo de terceirização exige um diagnóstico técnico detalhado da infraestrutura existente, bem como um planejamento cuidadoso da transição para evitar interrupções. “É essencial escolher um parceiro com capacidade técnica e experiência para atender aos requisitos específicos da planta”, orienta.
Além da eficiência operacional, o modelo também contribui com as metas de descarbonização do setor de energia e biocombustíveis. O uso de biomassa rastreável, tecnologias de combustão mais eficientes e maior geração de créditos de carbono e CBIOs dentro do RenovaBio são alguns dos pontos destacados por Ricardo. “Esse modelo está crescendo não só no setor do etanol de milho, mas também em indústrias de alimentos, papel e celulose, e até no setor farmacêutico. A busca por eficiência e descarbonização é uma tendência que se expande”, afirma.
A ComBio projeta um forte crescimento desse modelo no Brasil nos próximos anos, especialmente com a consolidação do etanol de milho no Centro-Oeste e o aumento da complexidade operacional nas usinas. Blandy acredita que políticas públicas específicas podem acelerar essa adesão. “É fundamental que modelos de outsourcing sejam reconhecidos em programas como o RenovaBio. Linhas de crédito para descarbonização e incentivos fiscais estaduais também ajudariam bastante”, sugere.
Para as usinas que ainda não conhecem o modelo, a recomendação do executivo é começar com um diagnóstico energético detalhado, seguido por um estudo de viabilidade com empresas especializadas. “Benchmarking com plantas que já adotaram o modelo pode trazer insights valiosos. E a implementação gradual, por meio de um projeto-piloto, é uma boa estratégia para reduzir riscos e facilitar a adaptação”, conclui.