Recentemente, navios com milhares de barris de diesel oriundos da Rússia estavam ao longo da costa brasileira, de acordo com dados da Kpler compilados pela Bloomberg. O cenário ajuda a ilustrar uma alta superior a 700% na importação do combustível russo pelo Brasil, que, por sua vez, compra do exterior entre 25% a 30% de tudo que é consumido por aqui.
Para especialistas, esse forte aumento ocorre porque a Rússia vem vendendo o diesel R$ 0,22 mais barato (-5,9%) em relação à cotação internacional como forma de conquistar novos mercados, já que, após o início da invasão na Ucrânia, o país perdeu o acesso a tradicionais compradores como Estados Unidos e países da União Europeia.
Dados da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) revelam que nos dois primeiros meses deste ano as importações de diesel da Rússia somaram 1,121 milhão de toneladas, volume 830,5% maior que as 120,526 mil toneladas compradas no mesmo período do ano anterior. Em valor, a compra somou US$ 818,730 milhões, uma alta de 734,9% em relação aos US$ 98,060 milhões de janeiro a fevereiro de 2023.
Reorganização do mercado
O movimento ocorre em um momento ainda de demanda maior por diesel no Brasil. Nos dois primeiros meses deste ano, a importação geral do combustível subiu 7,41% em relação ao mesmo período de 2023. No cenário internacional, o preço do barril de petróleo tipo Brent subiu de US$ 77, no início do ano, para mais de US$ 90 nos últimos dias.
Para Sergio Araujo, presidente-executivo da Abicom, que reúne importadores de combustíveis, o diesel russo vem ganhando mercado devido ao preço mais competitivo nos principais portos brasileiros. Segundo ele, o diesel da Rússia passou de quase zero em 2022 para 50% de participação do mercado importador no Brasil, em 2023. Neste ano, o número já subiu para 70%. Por outro lado, a fatia dos EUA caiu de 57% para 24% e, agora, está em 15%.
— Hoje, o diesel russo é o mais desejado porque ele é o mais barato no mercado internacional. A tendência é que esse cenário continue por um tempo ainda, pois a guerra está longe de acabar assim como as sanções internacionais — diz Araujo.
O apetite dos importadores do Brasil, país que não aderiu aos embargos como os EUA e a União Europeia, é visível no relatório European Waterborne Products da consultoria Wood Mackenzie. Entre janeiro e março deste ano, o principal importador de diesel da Rússia foi a Turquia (32% do total), seguido de Brasil (27%), Marrocos (5%), Gana (5%), Líbia (5%) e Tunísia (4%). Outros 35 países somam menos de 4% das exportações de diesel da Rússia.
— Mesmo com embargos, que podem ser sanções ou proibições de importação, o diesel russo está encontrando clientes que não impuseram muitas ou qualquer restrição a sua compra. O aumento desses embargos causou uma reorganização do mercado, com novas rotas logísticas, novos compradores, novos transportadores e novos preços — avalia Rodrigo Jacob, analista de Pesquisa de Downstream da América Latina da Wood Mackenzie.
A Rússia lidera com folga a lista de países que mais vendem diesel ao Brasil. Em segundo lugar, estão os EUA, com cerca de um quarto do valor russo vendido entre janeiro e fevereiro, com US$ 197,5 milhões, seguido dos Emirados Árabes Unidos, com US$ 168,3 milhões.
Petrobras mantém preços mais baixos
Segundo Jacob, da Wood, no meio dessa nova estrutura, os barris de diesel russos encontraram destino no mercado brasileiro, empurrando as exportações de diesel dos EUA em direção à Europa. Atualmente, o principal produto vendido pela Rússia ao exterior é o petróleo bruto, com volume quase oito vezes superior ao dos combustíveis e direcionados a países como China e Índia.
— Caso ocorram mudanças nas restrições, forças econômicas provavelmente mudariam a dinâmica de exportações russas, alterando os destinos economicamente mais vantajosos para o diesel russo.
Por outro lado, para não perder mercado, a Petrobras também vem mantendo os preços do diesel ainda mais baixos. Segundo a Abicom, a estatal vende hoje a um valor R$ 0,54 menor (-14%) em relação ao exterior.
— Apesar de a gente não saber qual é o custo da Petrobras, a empresa poderia estar vendendo o diesel a um preço maior. São mais de cem dias sem movimento de preços — disse Araujo, lembrando que a Petrobras, por ter ações negociadas nos Estados Unidos, não vem comprando o combustível da Rússia, assim como empresas com sede nos EUA e na Europa.