A máxima do marketing de estar onde o consumidor está chegou à última fronteira: os condomínios residenciais. Negócio que começou a ser explorado por startups durante a pandemia — com algumas empresas que atuavam com máquinas automáticas migrando para o residencial durante o isolamento social —, o ponto de venda dentro do condomínio entrou na mira das grandes marcas. Empresas como Carrefour e Ambev estão investindo em formatos autônomos como canal de vendas, com ambiciosos planos de expansão.
— É mais uma alternativa de compra que permite estreitar a relação da marca com o cliente, além de conversar com a nossa estratégia de ampliar a digitalização das operações — diz João Gravata, diretor executivo de Supermercados e Proximidade do Grupo Carrefour.
Depois de testar o modelo e refinar os algoritmos da sua tecnologia proprietária, o Carrefour tem hoje 28 mercados autônomos em condomínios residenciais e dois em espaços comerciais. Em dezembro, a empresa inaugurou um piloto de franquia — sua grande aposta para escalar a ultra conveniência — e está fazendo os últimos ajustes no formato para lançá-lo oficialmente. O investimento será a partir de R$ 150 mil para espaços de 15 m2 e um sortimento de 500 tipos de produtos de primeira necessidade: alimentos prontos para consumo, secos e refrigerados, que o cliente pega na gôndola e debita automaticamente no celular.
A ultra conveniência é também a aposta da Ambev para ampliar a venda de cerveja, com a distribuição de geladeiras inteligentes em comodato nos condomínios. Batizado de Zé Express, o negócio é operado pelo Zé Delivery, a sua startup de entregas, e já está presente em 70 condomínios, a grande maioria residenciais. Até o fim deste mês, esse número vai a 100 condomínios, e a empresa investe no relacionamento com síndicos profissionais para seguir crescendo com operação própria. Em paralelo, a empresa já anunciou que pretende expandir o canal por meio de franquias.
As geladeiras do Zé Express possuem câmeras inteligentes e usam inteligência artificial para identificar os produtos retirados da geladeira. Após um cadastro inicial, basta escanear o QR Code, abrir a geladeira e a cobrança é feita de forma automática.
Outras marcas, incluindo iFood, Omo e Nestlé, por exemplo, estão entrando nos condomínios sem operação própria, mas em parceria com a Housi, empresa de Alexandre Frankel que nasceu como plataforma de gestão de imóveis para locação de curta temporada, mas que se reinventou na pandemia como um marketplace de serviços para condomínios. São mais de 200 serviços oferecidos, desde um minimercado autônomo, carregador de carro elétrico, lavanderia e até prestadores de serviço como manicure, que acessam os condôminos pelo aplicativo da Housi. A empresa é responsável pela curadoria, integração dos sistemas e cobrança, enquanto a infraestrutura costuma ser patrocinada pelas marcas: o iFood banca armários para as entregas, por exemplo.
Hoje a Housi está presente em 450 prédios com quase 60 mil unidades — número que vai subir para 200 mil até o fim do ano, com novos prédios que serão entregues, inclusive do Minha Casa Minha Vida. Nesse novo formato, a Housi triplicou o faturamento no ano passado, para R$ 300 milhões, e já pensa em internacionalização. No segundo semestre, a empresa vai testar um piloto em Lisboa, em um condomínio onde moram muitos brasileiros, e também já iniciou conversas com um parceiro na Flórida.
COMÉRCIO DE RUA
Além do home office que veio para ficar, o negócio de condomínios se beneficia do crescimento desse tipo de moradia. Hoje são 10,7 milhões de brasileiros vivendo em condomínios segundo o IBGE — 12,5% da população, ante 8,5% há 12 anos.
No entanto, a ultracomodidade não vem sem impacto.
— Essas comodidades e máquinas foram pensadas originalmente para os subúrbios americanos, onde não há comércio. Mas São Paulo – e o Brasil – tem essas idiossincrasias. Uma cidade com shoppings urbanos, no meio da cidade. Entendo o conforto e a comodidade dos deliveries e a necessidade das empresas de se posicionarem. Mas quanto mais conforto, menos gente sai de casa e mais a vida de rua vai morrendo, porque não consegue competir — diz o jornalista especializado em urbanismo e autor do livro São Paulo nas Alturas, Raul Juste Lores.