O mercado de conveniência brasileiro acaba de registrar mais um movimento que mexe com toda a cadeia de postos e lojas. Depois da saída da Vibra (ex-BR Distribuidora) da joint venture com a Americanas, que encerrou o projeto em torno da BR Mania, agora foi a vez da Raízen colocar um ponto final na parceria com a FEMSA, desatando a sociedade que unia Shell Select/Shell Café e OXXO. Dois casos em momentos distintos, mas que levantam a mesma questão: por que grandes distribuidoras não conseguem emplacar parcerias duradouras com gigantes do varejo?
Dois casos, dois tempos diferentes e uma mesma linha
No caso da Vibra, a crise contábil e o pedido de recuperação judicial da Americanas precipitaram o rompimento. A distribuidora manteve o controle da BR Mania e passou a expandir por meio da Vem Conveniência S.A., reafirmando o modelo de franquia plugado à rede de postos.
Já a Raízen optou por seguir com as lojas Shell Select e Shell Café, em um total de mais de 1.200 unidades, reforçando a estratégia de franquias acopladas aos postos Shell. A FEMSA ficou com a operação do OXXO no Brasil e um centro de distribuição em Cajamar (SP), assumindo integralmente o modelo de proximidade que sempre defendeu.
Por que as parcerias não decolaram?
- Choque de estratégias: enquanto as distribuidoras priorizam conveniência como extensão do posto, os varejistas olham para lojas de rua e tráfego independente.
- Governança complexa: definir mix, promoções e, principalmente, quem controla o dado do cliente gera atrito e atrasa decisões.
- Eventos externos: no caso da Vibra, a crise na Americanas foi um fator determinante.
- Modelos distintos: OXXO é proximidade pura, Shell Select é conveniência em posto. Dentro da mesma estrutura societária, a execução perde eficiência.
- Economia da loja: adaptar margens, mix e custos locais é mais desafiador do que parece quando se importam modelos internacionais.
- Processo de reestruturação da Raizen, que diverge do momento de expansão da OXXO.
O que fica de lição?
As separações mostram que o canal conveniência continua estratégico, mas que o formato societário importa. Quando estratégia, execução e governança não andam juntas, a sinergia prometida não se concretiza. Ao retomar cada um seu caminho, as companhias buscam velocidade, foco e autonomia para crescer.
Para o revendedor, a mensagem é clara: conveniência funciona quando o modelo de negócio está alinhado à realidade local e ao tipo de cliente que se quer atender. Mais do que selos e marcas globais, o que vale é a consistência na execução. Um processo de atender demandas locais com visão regional propondo o que há de melhor no global, mas não na sequência inversa. O consumidor é o centro de tudo e deve estar na estratégia principal de qualquer negócio que vise esse atendimento.
Uma visão pelo olhar do consumidor
Em O Consumidor Tem Pressa, mostro que a decisão de compra está cada vez mais pautada pela velocidade e pela eliminação de atritos. Essa lógica, aplicada ao mercado de conveniência, explica porque muitas parcerias não funcionam: enquanto os gestores discutem governança e estratégias corporativas, o consumidor está preocupado em resolver sua necessidade na hora, com simplicidade. É essa discrepância entre o tabuleiro das grandes corporações e o balcão do dia a dia que mina projetos que pareciam promissores no papel.
Em Vivendo o Varejo Americano, relato a experiência das lojas de conveniência norte-americanas que entenderam a conveniência não como extensão de um posto, mas como ponto de encontro do cliente com a solução que ele busca. Nos EUA, lojas como Wawa e Sheetz prosperaram porque traduziram conveniência em experiência, seja pelo café fresco, pelo atendimento rápido ou pela tecnologia embarcada. No Brasil, as parcerias desfeitas mostram justamente o contrário: quando se tenta impor modelos sem respeitar a cultura local e o comportamento real do consumidor, o projeto perde aderência.
Por fim, é importante destacar que conveniência é antes de tudo uma estratégia de pertencimento. Quando escrevo que o consumidor quer ser enxergado e reconhecido, isso também vale para o varejo de combustíveis. Não basta abrir uma loja ao lado da bomba e acreditar que o cliente vai entrar. É preciso construir significado, criar rotina e gerar valor. As grandes distribuidoras que recuam das parcerias estão, na prática, mostrando que sem esse entendimento a marca pode até ter escala, mas não terá alma.
Se essas mudanças terão impacto positivo ou negativo, não é o cerne da questão. Entender os rumos do mercado passa obrigatoriamente pelo olhar direcionado para os hábitos de consumo. Essas mudanças refletem um momento de mercado e erros estratégicos realizados com grandes empresas, não tem nada de conexão com crise no mercado de conveniências, ao contrário, o segmento segue em franco crescimento.
Roberto James
Autor e Palestrante
Especialista em comportamento do consumidor