Por Roberto James
O debate sobre autoatendimento nos postos de combustíveis no Brasil é antigo, mas raramente profundo. Entre discursos populistas e projetos de lei que prometem preços mais baixos, pouco se discute a realidade operacional e cultural que envolve esse modelo. A experiência internacional, especialmente a americana, serve de referência, mas não deve ser copiada de forma acrítica. Este artigo busca desconstruir mitos, apresentar verdades e propor uma reflexão sobre o futuro desse serviço no país.
1. O mito da redução de preços
Grande parte dos projetos legislativos em defesa do autoatendimento justifica-se pela promessa de combustíveis mais baratos. A realidade, no entanto, é outra. A cadeia brasileira de distribuição é complexa, onerada por tributos e custos logísticos elevados. Experiências de mercado mostram que a adoção do self-service não garante queda de preços, e muitas vezes a diferença não chega ao consumidor. O preço, no Brasil, está muito mais ligado à carga tributária e à competitividade local do que ao modelo de abastecimento.
Por isso a bandeira de se diminuir custos com mão de obra podem não ser sentido nos postos. O maior desafio hoje está mais ligado a conseguir mão de obra para operacionalizar os trabalhos que a diminuição dos custos em si. Talvez num outro momento isso teria sido possível, hoje não.
2. Cultura de consumo: o que o Brasil precisa observar
Nos Estados Unidos, o autoatendimento é regra. Mas isso só acontece porque o consumidor americano valoriza acima de tudo a praticidade e o tempo. No livro Vivendo o Varejo Americano, relato como a jornada do cliente é construída com base na velocidade, na liberdade de escolha e na ausência de burocracias. O consumidor americano gosta de ter opções, ser atendido ou se atender, e o varejo se molda a essa mentalidade. No Brasil, a relação com o atendimento é diferente. Há uma expectativa de interação humana que ainda exerce forte influência no processo de compra.
Evidentemente que a questão da cultura se molda, visto que há 20 anos não se imaginava que a maioria da população usaria o internet banking, hoje uma realidade. O que modificou o mercado, permitiu a entrada das fintechs proporcionando uma competitividade maior que a existente. Postos de trabalho sumiram enquanto outros foram criados. Isso faz parte da cultura da evolução.
3. O papel do frentista e a venda acessória
Outro ponto negligenciado nos debates é a função comercial do frentista. Mais do que abastecer, ele é um vendedor de aditivos, gasolina premium e serviços complementares. No modelo norte-americano, onde não existe essa figura, as vendas acessórias praticamente desaparecem na pista. Implementar o self-service sem reestruturar o modelo de negócios pode significar perda de receita para muitos postos.
O modelo de negócios de postos de combustíveis, no Brasil, difere dos demais países, principalmente dos EUA, o que torna o modelo americano inaplicável a curto prazo em solo brasileiro. Outro ponto importante está no comportamento do consumidor pelo motivo com o qual ele vai aos postos o que caracteriza a necessidade de uma mudança comportamental na raiz do processo de consumo.
O modelo brasileiro prioriza, hoje a venda acessória, transformando as pistas de abastecimento em verdadeiros feirões de vendas enquanto nos EUA a realidade é outra quando as pistas não vendem nada além de combustíveis e as vendas acessórias, que lá são as principais, ocorrem na loja de conveniência.
4. Tecnologia, operação e investimentos necessários
A adoção do autoatendimento não se resume a trocar bombas e desligar a equipe. Exige investimentos em sistemas de pagamento, segurança, treinamento e adequação do layout das pistas. É preciso entender se o posto tem condições operacionais para receber consumidores que vão manusear bombas e equipamentos. Sem essa análise, o risco de acidentes e insatisfação do cliente aumenta.
Aquele alívio das contas da baixa de folha de pagamento, se tornarão investimentos em equipamentos, treinamento, pessoal de supervisão e muita paciência para os processos transitórios. Não se faz isso da noite para o dia.
5. O consumidor deve ter o poder de escolha
Mais importante que obrigar ou proibir, é dar ao consumidor o direito de escolher. Quando o cliente opta pelo atendimento humano, deve ter essa possibilidade; quando quer abastecer sozinho, também. A liberdade de escolha, e não a imposição de modelos, é o que torna o mercado mais saudável e competitivo. Como descrevo no livro, “deixar o cliente escolher é o melhor que você pode fazer”.
O revendedor deve ter a liberdade de determinar os rumos do seu negócio. A proteção governamental deve se limitar ao que tange à segurança e garantias do produto ofertado. A forma, o jeito ou até mesmo os padrões de entrega do produto ou serviço devem ser opções dos empreendedores, como acontece em todo o varejo, menos nos postos de combustíveis.
6. O aprendizado com o varejo americano
O estudo de campo realizado nos Estados Unidos mostrou que o autoatendimento só se consolidou porque foi implementado de forma gradual, acompanhado por mudanças culturais, tecnológicas e operacionais. Copiar esse modelo sem respeitar as particularidades do mercado brasileiro é um erro. O que deve ser importado não é a tecnologia em si, mas a lógica de facilitar a jornada do consumidor, tornando-a mais ágil e sem atritos.
O foco principal deve ser esse atender, da melhor forma possível, no menor tempo possível o cliente de um jeito que satisfaça a sua jornada, que muitas vezes não começa e termina no seu estabelecimento. Entender essas mudanças é essencial para que o empreendedor possa se conectar mais rápido com as realidades mercadológicas ao redor e garantir a sobrevivência do seu negócio.
Conclusão
O autoatendimento nos postos de combustíveis brasileiros não é apenas uma questão de tecnologia, mas de cultura, operação e estratégia. O que está em jogo não é apenas o preço do litro de gasolina, mas o futuro da relação entre consumidor e revendedor. Cabe ao setor compreender essas nuances antes de adotar um modelo que, em outros países, se mostrou eficaz, mas que aqui precisa ser tropicalizado.
O consumidor brasileiro está mudando, tornando-se mais apressado e exigente. O que o varejo não pode é permanecer estático. O autoatendimento pode ser parte da solução, mas apenas se vier acompanhado de liberdade de escolha, inovação e foco no cliente. O debate deve ser levado a sério e todos devem entender que discutir o setor significa tirá-lo da estagnação e proporcionar aos envolvidos a chance de mudar para melhor.
Roberto James é administrador de empresas, mestre em psicologia e especialista em comportamento do consumidor. Autor dos livros O Consumidor Tem Pressa e Vivendo o Varejo Americano, é referência nacional no estudo das tendências de consumo, varejo e postos de combustíveis. Palestrante em grandes eventos do setor e colunista da Revista Petrus, dedica-se a conectar empresas ao novo consumidor, compartilhando insights obtidos em pesquisas, vivências internacionais e anos de atuação no mercado.