Arbitrariedades dos gestores do programa tornam inviável a atividade econômica de distribuidoras regionais de combustíveis
O Programa RenovaBio, inicialmente concebido como ferramenta de descarbonização e modernização da matriz energética brasileira, vem sendo conduzido sob uma governança fragilizada, com falhas na formulação técnica e ausência de coordenação efetiva por parte do Ministério de Minas e Energia (MME). O resultado é um programa que hoje se tornou fonte de insegurança jurídica, desorganização setorial e risco social.
A recente adoção de sanções de forma automática, sem análise de impacto regulatório, sem observância ao devido processo legal e sem amparo normativo claro, coloca em risco iminente o funcionamento de dezenas de distribuidoras regionais. O colapso operacional dessas empresas compromete diretamente o abastecimento de combustíveis em centenas de municípios de pequeno e médio porte, além de ameaçar milhares de postos de trabalho em todas as regiões do país.
Durante audiência pública na Câmara dos Deputados, em 9 de julho de 2025, na presença do alto escalão do MME, o deputado federal Tião Medeiros (PP-PR), membro titular da Comissão de Minas e Energia, classificou com precisão esse cenário: o RenovaBio foi desvirtuado.
O legislador apontou que o programa foi capturado por interesses financeiros e convertido em instrumento de especulação econômica e abuso regulatório, operando em flagrante desconformidade com a Constituição Federal e o interesse público.
Diante disso, o parlamentar cogita apresentar requerimento para abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), com o intuito de apurar abusos na condução do RenovaBio, desconformidades legais e eventuais responsabilidades no âmbito da governança do programa, sobretudo, em razão da ausência de entrega de real ganho ambiental à sociedade, sem prejuízo a medidas já adotadas no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Controladoria-Geral da União (CGU), entre outros órgãos de controle.
A crítica ora aventada é técnica e substancial. A assimetria econômica entre a facultatividade da venda de Créditos de Descarbonização (CBIOs) pelos produtores e a obrigatoriedade de aquisição por parte das distribuidoras cria um desequilíbrio financeiro injustificável e inconveniente à sociedade brasileira, na medida em que encarece, além do necessário, o preço dos combustíveis, sem ganhos ambientais concretos.
Em ato recente, datado de 26 de junho de 2026, o ente regulador admitiu a autoaplicação das penalidades previstas no Decreto 12.437/2025, sem realizar o rito regulatório previsto na Lei 13.848/2019 e conforme as atribuições estabelecidas na Lei 9.478/1997. A decisão colegiada afastou a necessidade de regulamentação complementar, de análise de impacto regulatório (AIR) e de participação qualificada dos agentes do setor, como exigem os marcos legais mencionados, o que favorece interpretações conflitantes e amplia a insegurança jurídica.
O cenário evidencia falhas estruturais na governança do programa sob responsabilidade do MME, conduzido sem respaldo normativo claro nem processo decisório devidamente fundamentado, em desacordo com o princípio da legalidade. A condução centralizada, sem articulação com os entes institucionais e sem escuta ativa dos agentes regulados, enfraquece a função institucional do ente regulador, acentua a desorganização no setor de combustíveis e expõe a União a riscos financeiros decorrentes de eventuais responsabilizações futuras.
A Associação Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (ANDC) tem reiterado seus alertas quanto aos impactos dessa condução. Não se discute aqui a política ambiental em si. O que está em jogo é a defesa da legalidade dos atos administrativos, da segurança jurídica e do interesse público.
O agravamento do quadro institucional não decorre apenas da ausência de normatização específica do Decreto 12.437/2025, mas também de decisões reiteradas tomadas sem o necessário alinhamento à estrutura legal vigente. Exemplo disso é o caso apreciado no Mandado de Segurança Coletivo 1082015-52.2025.4.01.3400, em trâmite na SJDF, no qual a Justiça Federal concedeu liminar impedindo a aplicação imediata de sanções às associadas da ANDC.
A decisão determinou o respeito aos limites do regime anterior à Lei 15.082/2024, proibiu a aplicação retroativa do novo modelo sancionador e vedou a inclusão de empresas em listas restritivas enquanto persistir a controvérsia judicial. O não cumprimento desses comandos compromete a credibilidade institucional e provoca grave tensão entre os Poderes da República, minando os pilares do Estado de Direito.
É tempo de corrigir os rumos do RenovaBio! O Congresso Nacional deve exercer com plenitude sua função fiscalizadora. O Poder Judiciário precisa garantir a efetividade de suas decisões. E ao Poder Executivo cabe assegurar que suas políticas públicas observem a legalidade, a transparência e a finalidade pública.
A reconstrução da confiança institucional exige diálogo, escuta ativa e equilíbrio entre todos os agentes econômicos e sociais, grandes e pequenos, com respeito aos marcos constitucionais e ao interesse coletivo. A sociedade civil tem o direito e o dever de exigir que o Estado atue com responsabilidade, justiça e harmonia, em favor de todos.
Por Maria Hortência Pinheiro do Nascimento (Advogada (OAB/BA 76423) atuante no setor de energia e assessora jurídica da Associação Nacional dos Distribuidores de Combustíveis)