O pré-sal brasileiro solidifica sua posição como um pilar estratégico na economia nacional, impulsionado por um recente contrato bilionário da Petrobras que visa expandir a produção de óleo e gás. Contudo, essa expansão ocorre em um cenário global de transição energética, levantando questionamentos sobre o futuro dos combustíveis fósseis e o papel do Brasil nesse contexto. Ricardo Viana, engenheiro de petróleo e analista de ações do setor de energia, oferece uma análise aprofundada sobre os impactos e perspectivas do pré-sal.

Para Viana, o aumento da produção não significa que o Brasil precise de mais óleo para sua matriz energética interna. “O Brasil está no caminho certo para crescer sua produção de petróleo, reflexo de um grande esforço da Petrobras para desenvolver seus grandes ativos, sobretudo os campos de Búzios e Mero. No entanto, o Brasil ‘não precisa’ de mais óleo na sua matriz”, explica. O foco, segundo ele, é consolidar o país como um exportador de energia fóssil, mirando mercados emergentes, principalmente na Ásia. Essa estratégia de exportação é vista como uma importante fonte de recursos e arrecadação para o Brasil.
O impacto do pré-sal no Produto Interno Bruto (PIB) e na geração de empregos é direto. Viana projeta que o Brasil está em “boa trajetória para atingir mais de 4 milhões de barris por dia de produção até o fim da década”, gerando atividade contínua no setor de Exploração e Produção (E&P) offshore. Além disso, haverá uma demanda crescente por infraestrutura de trading para exportar os volumes adicionais. Ele ressalta o reforço de arrecadação via royalties, dividendos e impostos, que injeta dinheiro na economia. No entanto, Viana não prevê um aumento substancial na cadeia de serviços como o observado na década passada, especialmente na indústria naval, devido a “má experiência passada” e à “sobrecapacidade de produção industrial na China”.
Setores como os serviços offshore, que incluem companhias de embarcações de apoio, segurança e transporte, serão diretamente beneficiados pelo aquecimento da demanda. A cadeia de exportação de líquidos também será favorecida, exigindo infraestrutura de tancagem e carregamento de navios, já que “todo crescimento de produção marginal virará exportação”.
O campo de Búzios, um dos gigantes do pré-sal, destaca-se por seus diferenciais tecnológicos e operacionais. Viana o descreve como “um gigante natural”, com poços “ultra produtivos” que alcançam 40-50 mil barris por poço, resultando em “baixíssimos custos operacionais, que são menores que 5 dólares por barril”. Ele enfatiza que a tecnologia utilizada no pré-sal é fruto de “décadas de uma Petrobras bastante pioneira desenvolvendo soluções para explorar campos com essa profundidade em lâmina d’água e escala”.
Os desafios para otimizar a produção e a rentabilidade em Búzios não residem no risco exploratório, que é baixo, mas sim na “execução de projeto”. Viana aponta a necessidade de garantir que as unidades cheguem “no tempo certo, no custo certo”, já que se trata de um “plano ambicioso de expansão”. Embora Búzios seja um campo único em sua grandiosidade, a experiência com os atrasos das primeiras plataformas “replicantes” forneceu um aprendizado importante sobre o trade-off entre nacionalização das cadeias, custo e incerteza de execução. Atualmente, o pré-sal conta com uma tecnologia “bem dominada e conhecida”, com o Brasil sendo “pioneiro e benchmark em exploração de petróleo em águas profundas e ultra profundas”. A inovação brasileira nesse campo é amplamente reconhecida internacionalmente, especialmente devido aos desafios únicos apresentados pela própria camada de sal.
Em relação aos riscos ambientais, o engenheiro considera a tecnologia do pré-sal como “dominada”, com mais de uma década de monitoramento. “Fora o risco estatístico (do tipo, quanto mais atividade mais risco de algo fora do esperado acontecer), não vejo um risco mapeado novo nessa pauta”, afirma. Do ponto de vista social, a localização dos grandes ativos do pré-sal, “a centenas de quilômetros de distância da costa das cidades”, minimiza o “constante temor da comunidade local”. No entanto, cidades como Rio de Janeiro, Vitória e Macaé, que estão fortemente ligadas à indústria, “passam a depender razoavelmente de um ambiente saudável de preços de petróleo”.
Sobre a distribuição dos benefícios econômicos, enfatiza que, embora as empresas busquem “maximizar a geração de valor”, cabe ao governo “alocar os recursos provenientes dessas atividades da melhor forma possível”. Ele alerta para a “maldição do petróleo”, que se confunde com “irresponsabilidade do uso dessa riqueza”, referindo-se a países que se tornam excessivamente dependentes dessas receitas e enfrentam crises quando elas caem. A Noruega é citada como um exemplo de sucesso na gestão desses recursos, investindo-os em um fundo soberano para gerar riqueza futura. Viana sugere que o Brasil tem oportunidades para investir em setores como educação, saúde e saneamento, que poderiam gerar “muito retorno”.
Olhando para o futuro, ele observa que a transição energética global impactará o preço do petróleo, exercendo uma “pressão baixista”. Contudo, a produção brasileira no pré-sal, por ser “muito competitiva em custo”, enfrenta um “risco baixo de perda de produção na largada”. Destaca ainda que os projetos do pré-sal têm uma “duração muito longa” e envolvem “dezenas de bilhões de dólares”. Em um ambiente de pessimismo da indústria, o Brasil pode ser um alvo para a redução de investimentos, o que levaria a uma queda na produção. O papel do pré-sal na estratégia energética brasileira, em um futuro de possível diminuição da demanda por combustíveis fósseis, transcende o consumo interno. “Viramos um importante exportador de petróleo e vamos ganhar ainda mais market share na próxima década com o crescimento de produção que está previsto”, afirma. A principal discussão, portanto, está na depreciação do preço de venda do petróleo, o que diminuiria o benefício percebido pela sociedade.
Por fim, Viana ressalta que o Brasil é uma potência no mercado de renováveis, com vasto potencial em energia eólica, solar e hídrica. Ele defende que são “assuntos independentes e oportunidades independentes” e que o país deve otimizar o valor em ambas as áreas. Embora o Brasil tenha perdido “o barco” no desenvolvimento de novas tecnologias renováveis, tornando-se um consumidor de Propriedade Intelectual, Viana enxerga um futuro promissor para o Nordeste brasileiro como um “hub exportador de energia verde via hidrogênio”, à medida que essa tecnologia ganha competitividade.
Crédito Imagem Destacada: Cortesia TotalEnergies