BYD vai inaugurar fábrica na Bahia sem definir produção local de componentes

A chinesa BYD inaugura oficialmente sua fábrica de carros híbridos e elétricos em Camaçari (BA) nesta terça (1º). Por enquanto, apenas o ar que enche os pneus será nacional.

Representantes da montadora confirmaram que, nesta primeira fase, os automóveis virão praticamente prontos da China. É o regime conhecido por SKD, sigla em inglês para semidesmontado. Nesse caso, as carrocerias chegam pintadas, e o veículo vem parcialmente montado, faltando encaixar alguns elementos.

É comum que a primeira fase de um processo produtivo ocorra dessa forma ou no modelo CKD, em que os carros chegam completamente desmontados. Mas, na percepção de associações do setor, a BYD tem dado sinais de que não pretende movimentar o parque de fornecedores instalado no Brasil.

Cláudio Sahad, presidente do Sindipeças (entidade que representa as fabricantes de componentes), afirmou que, em reuniões com as montadoras BYD e GWM realizadas entre 2023 e 2024, ouviu dos representantes de ambas que havia um comprometimento com a indústria nacional. Hoje, ele vê que foram seguidos caminhos diferentes.

“Qualquer montadora que queira produzir no país e utilizar a cadeia nacional de fornecedores é bem-vinda, e temos que lembrar que todas as fabricantes aqui instaladas vieram de fora. Mas se vierem para cá gerando meia dúzia de empregos, estão dando empregos lá na China”, disse Sahad.

Enquanto a GWM avança nas conversas com empresas locais e pretende nacionalizar até as baterias, a BYD segue acelerando a importação e formando grandes estoques no Brasil. No início do ano, solicitou ao governo a redução do Imposto de Importação que incide sobre os regimes de produção SKD e CKD.

Hoje, para veículos híbridos plug-in, o imposto sobre a importação SKD é de 20%, enquanto os carros que chegam sob o regime CKD recolhem 7%. No caso dos 100% elétricos, as alíquotas são de 18% e 5%, respectivamente.

Há, contudo, uma recomposição gradual, da mesma forma como ocorre com os carros eletrificados que chegam prontos ao país. Para travar as futuras altas, a BYD propõe uma redução para 10% no caso dos híbridos e 5% sobre os puramente elétricos tanto no SKD como no CKD.

O pedido piorou a relação com as associações. “Vejo com maus olhos o pleito [da BYD]. Não sou contra esse tipo de montagem, mas acredito que deve haver um pênalti maior a ser pago por isso”, disse Igor Calvet, presidente da Anfavea (associação das montadoras), durante entrevista coletiva realizada no início do mês.

Cláudio Sahad, do Sindipeças, atribui o pedido à visão dos chineses sobre a indústria. “Estão acostumados a ter fomentos na matriz e acham que aqui terão o mesmo, mas não é assim. Acredito que o governo brasileiro será responsável e não vai ceder à esse pleito, que é frontalmente contrário à produção nacional e ao emprego.”

O engenheiro Cassio Pagliarini, que é sócio da consultoria Bright, diz que a solicitação da BYD pegou o mercado de surpresa. “Eles têm uma capacidade de produção gigantesca na China, por isso compensa importar, mas não é necessariamente bom para o Brasil.”

A reportagem entrou em contato com a BYD no dia 9 de junho solicitando entrevista para falar da produção local e do pedido de redução tributária. A assessoria explicou que a agenda do vice-presidente da empresa no Brasil, Alexandre Baldy, estava complicada devido à proximidade da inauguração da fábrica.

O contato foi retomado no dia 16, sem sucesso. Na semana passada, foram enviadas perguntas por mensagem de texto, com a promessa de que seriam respondidas até sexta (27). Na tarde desse dia, a montadora comunicou que não enviaria as respostas..

A BYD tem evitado dar declarações desde o início das investigações por suspeitas de trabalho escravo e tráfico de pessoas na construção da fábrica, conduzida por empresas chinesas terceirizadas. Em maio, o Ministério Público do Trabalho levou o caso à Justiça com uma ação civil pública.

Sobre esse caso, em nota, a companhia afirmou ter um compromisso inegociável com os direitos humanos e trabalhistas, e diz atuar com respeito à legislação brasileira e às normas internacionais de proteção ao trabalho.

Com os resultados obtidos desde que acelerou as importações, a montadora não teria motivos para pressa no processo de nacionalização.

A BYD detém uma fatia de 4,26% do mercado nacional no acumulado de janeiro a maio, período em que emplacou 39,6 mil carros no Brasil, de acordo com dados da Fenabrave (associação dos distribuidores de veículos). No ranking geral, a marca ocupa a oitava posição em vendas, entre as japonesas Honda (4,47% de participação) e Nissan (3,21%).

O resultado se equipara aos números atingidos pela sul-coreana Kia em 2011, que levaram a queixas da Anfavea junto ao governo Dilma Rousseff (PT). Os lamentos foram ouvidos e motivaram a adoção de cotas de importação e sobretaxa no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

Agora, contudo, o cenário é outro. Já existe uma fábrica, que vem a ser a unidade desativada da Ford em Camaçari. Em 2022, o processo de aquisição por parte da BYD aproximou a marca chinesa do então governador Rui Costa (PT), que hoje é ministro da Casa Civil.

Ao longo do segundo semestre de 2024, representantes das montadoras se reuniram com o governo para solicitar a recomposição imediata do Imposto de Importação que incide sobre carros eletrificados. Pela regra vigente, a alíquota de 35% só voltará a ser cobrada em julho de 2026. Pessoas presentes nesses encontros afirmaram que Costa se mostrou contrário à mudança.

Fonte: Folha de S.Paulo
Crédito Imagem: Adriano Machado/Reuters

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