Tarifa de Trump deve ter impacto mínimo no etanol brasileiro, aponta especialista

A tarifa de 10% imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre todas as importações provenientes do Brasil gerou preocupação entre diferentes setores da economia. No entanto, para o segmento de biocombustíveis, o impacto deve ser limitado, segundo avaliação de Amance Boutin, gerente de Desenvolvimento de Negócios da consultoria internacional Argus.

A análise da Argus se baseia em dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e dos próprios governos brasileiro e norte-americano. Em 2024, o Brasil produziu cerca de 37 bilhões de litros de etanol, mas apenas 313 milhões de litros foram exportados para os Estados Unidos, o que representa apenas 0,8% da produção nacional. Com participação quase nula no suprimento interno de etanol dos EUA, a medida tende a ter mais efeito simbólico do que prático sobre o setor, de acordo com a consultoria.

Além do volume reduzido, Boutin destaca que o etanol brasileiro já enfrenta dificuldades de competitividade nos Estados Unidos, mesmo antes da aplicação de tarifas. Isso se deve à queda no valor dos créditos de carbono nos programas ambientais norte-americanos — como o Renewable Fuel Standard (RFS) e o California Air Resources Board (CARB) — que anteriormente ofereciam incentivos ao etanol de cana-de-açúcar brasileiro.

“Mesmo sem barreiras tarifárias, o etanol brasileiro deixou de ser competitivo e atrativo nos Estados Unidos. Essa tarifa apenas reforça uma tendência já existente de retração nas exportações”, avalia Boutin. Ele acrescenta que a nova alíquota pode, sim, levar ao fim do fluxo comercial, já que exportadores dificilmente manterão operações que resultem em prejuízos.

O principal destino do etanol brasileiro em 2024 foi o estado da Geórgia, onde é utilizado na produção de querosene de aviação sustentável (SAF). Esse mercado, segundo Boutin, tem potencial de crescimento, mas depende de definições políticas no cenário norte-americano. “Um mandato global, acordado pelo setor de aviação, pode preservar a demanda, mas esse é um caminho que ainda está sendo construído”, explica.

A Califórnia, que já foi grande compradora do etanol brasileiro, vem perdendo relevância nesse comércio. A política estadual de eletrificação da frota e a queda no consumo de gasolina indicam um espaço cada vez menor para combustíveis de origem vegetal. De acordo com dados da agência americana EIA, o consumo de gasolina na Costa Oeste dos EUA caiu 10% entre 2018 e 2024.

No caso do biodiesel, a situação é ainda mais clara: não há comércio com os EUA desde 2023. Segundo o especialista da Argus, os produtores brasileiros estão voltados ao mercado interno, favorecidos por incentivos estaduais que não se aplicam às exportações.

A escalada de barreiras comerciais pode afetar, indiretamente, outros produtos, como a soja e o milho, usados na produção de biocombustíveis. Um realinhamento do comércio internacional — por exemplo, entre China e Estados Unidos — pode tornar o Brasil um fornecedor ainda mais estratégico, mas também reduzir a oferta para o mercado doméstico.

Sobre o futuro, Boutin acredita que o papel do Brasil na transição energética global permanece relevante, especialmente em mercados como o de combustíveis marítimos e SAF, onde há maior demanda internacional por soluções sustentáveis e menor incidência de barreiras tarifárias. “Nestes segmentos, o Brasil pode ser um importante fornecedor global, mas precisa focar na integração com mercados que já possuem metas ambiciosas de descarbonização”, conclui.

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