Mais um capítulo na trajetória do RenovaBio está estremecendo o mercado de combustíveis no Brasil. As novas regras do programa, estabelecidas pela Lei nº 15.082/2024, passarão a vigorar nesta segunda-feira (31) e o Ministério de Minas e Energia ainda está elaborando o decreto-regulamentador, cuja expectativa é orientar a administração pública na fiscalização dos recursos financeiros gerados com a comercialização dos títulos de descarbonização (CBIOS), os quais 60% devem ser passados para os agricultores. E ainda esclarecer a forma de aplicação das penalidades aos agentes econômicos condenados por não-cumprimento das metas de aquisição dos CBIOS.
Na semana anterior, a Associação Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustível (ANDC) apresentou ao governo federal uma série de sugestões e contribuições técnicas para enfrentar os desafios nos três eixos do RenovaBio: a definição das metas compulsórias, a certificação dos produtores de biocombustíveis e o comércio dos CBIOS na bolsa de valores (B3).
“A regulamentação é a chance de ouro para o governo Lula fazer história e ajustar deformidades que nasceram com a execução do RenovaBio e se agravaram ao longo dos sete anos de sua existência. Ajuste alinhado com o Acordo de Paris e a Lei nº 15.042/24 (que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa) poderão garantir que o programa alcance efetiva redução na intensidade de carbono da matriz veicular, integridade ambiental e racionalidade econômica. Algo que nunca aconteceu! E recupere sua credibilidade na sociedade e entre os agentes econômicos do setor de combustível”, alerta Francisco Neves, diretor-executivo da ANDC.
O apelo da ANDC é para que o Comitê Governamental do RenovaBio seja democratizado e defina parâmetros técnicos factíveis que possibilitem a redução efetiva das emissões de gases do efeito estufa, os quais sejam transparentes, a custo-benefício racional, promovam o equilíbrio regulatório, ofereçam segurança jurídica e operacional, de forma a contribuir com a segurança do abastecimento e a razoabilidade nos preços dos combustíveis.
Metas anuais
No Eixo 1, a ANDC propõe que as metas anuais de aquisição compulsória dos CBIOS sejam definidas com maior participação da sociedade, especialmente as distribuidoras, que seguem como as únicas afetadas pela obrigatoriedade.
O correto seria que a compra dos títulos também fosse imposta aos demais agentes do setor (produtores, refinadores, importadores e revendedores de combustível fóssil), proporcionalmente ao índice poluidor de suas atividades.
Ademais, há necessidade de qualificar estudos econômicos periódicos sobre o impacto no preço dos combustíveis e na inflação, e ainda demonstrar a correlação entre as vendas de CBIOS e a redução da intensidade de carbono na matriz de transporte.
Certificação dos produtores
No Eixo 2, a certificação requer cuidado quanto à integridade ambiental dos títulos, incluindo critérios de elegibilidade relacionados a: regularidade fundiária dos imóveis produtores; regularidade ambiental tendo como referência o Código Florestal e as obrigações a partir do ano-base de 2008; regularidade social e trabalhista; e projeto de estudo (na ausência do zoneamento agroecológico) da capacidade de uso do solo e das práticas de conservação no manejo das culturas.
“Falta rigor ainda no processo de autorização para emitir os CBIOS. O RenovaBio deve acolher as diretrizes do Acordo Paris, o qual orienta que o cálculo da nota de eficiência energética e ambiental (NEEA) considere o critério de adicionalidade da produção de biocombustíveis. Outro elemento importante é a superação dos dados ‘padrão’ da fase agrícola do Renovacalc (ferramenta governamental usada no cálculo da intensidade de carbono dos biocombustíveis) para dados próprios e específicos, fato indispensável na melhoria da sustentabilidade ambiental e produtiva da atividade agrícola”, explica Francisco Neves.
Comércio de CBIOS
O Eixo 3, relativo ao mercado dos CBIOS, é regido por uma anomalia econômica, em que a oferta dos títulos é facultativa e a demanda, obrigatória. O estranho cenário é fértil para grave especulação, com participação direta de fundos financeiros. É preciso trazer racionalidade econômica ao ambiente comercial, definindo se a oferta e a demanda serão facultativas ou obrigatórias no conjunto.
Para combater a especulação, o desejável é tornar o título fungível e acessível aos mercados globais de crédito de carbono, sob as regras da ONU e do Acordo de Paris, com possibilidade de buscar remunerações maiores e reduzir os custos para os brasileiros.
“A COP30 é mais um motivo para o Brasil agilizar uma regulamentação sólida e confiável do RenovaBio, sob pena de constrangimentos diplomáticos e comerciais. O programa não pode continuar fragilizado e vulnerável a práticas de greenwashing. Ao falhar na política de descarbonização, o programa pode expor o país a sanções regulatórias e restrições ao acesso a mercados e financiamentos climáticos, nos termos do Acordo de Paris”, avalia o diretor-executivo da ANDC.
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