Qualidade do gás natural tem afetado produção e aumentado custos

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) encerra, nesta sexta-feira (8), a consulta pública sobre a revisão da Resolução ANP nº 16, de 2008, que trata das especificações e controles de qualidade do gás natural. A indústria química – maior consumidora desse insumo no Brasil, com aproximadamente 25 a 27% do total (cerca de 13 milhões de m³/dia) – tem chamado a atenção para a importância da composição do gás natural fornecido às plantas químicas, seja como matéria-prima seja como energético, considerando essa discussão essencial para a continuidade da produção atual e de novos investimentos no setor.

Além de a oscilação da composição do gás trazer danos aos processos produtivos e ao meio ambiente, a discussão em torno do assunto, que se estende por mais de oito anos, atrasa a decisão por novos investimentos, defende a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

Em 2016, as empresas produtoras de gás solicitaram que a ANP alterasse a resolução com o intuito de torná-la mais flexível, em especial no que diz respeito às diversas correntes líquidas inseridas no gás, alegando que o gás do pré-sal, por ser rico nas frações mais pesadas, não atenderia à atual especificação.

“No entanto, nossos estudos indicam que, tecnicamente, há soluções para que a especificação atual seja mantida, em especial no que diz respeito ao gás do pré-sal, uma vez que a sua riqueza, em termos de líquidos do gás, pode viabilizar uma série de investimentos, não fazendo nenhum sentido queimar etano, por exemplo. Além disso, quanto mais estável é a composição do produto fornecido, sem oscilações dos componentes que integram o gás, melhor para as reações químicas e para o mercado como um todo, como produção de vidro e cerâmica”, explica o Presidente-Executivo da Abiquim, André Passos Cordeiro.

No início, a questão girava em torno do gás disponibilizado na Rota 1, em São Paulo, cuja Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) não teria capacidade para separar todas as frações contidas no gás. As produtoras alegavam que se não houvesse a mudança na especificação, poderia haver redução na oferta de gás do pré-sal. Em resumo, pretendia-se entregar um gás mais bruto, com alguns padrões mínimos de qualidade, como poder calorífico e índice de Wobbe (medida do conteúdo energético de um gás), mas sem especificar os componentes principias do gás, como metano, etano, propano e outros líquidos do gás. Para esses componentes seriam apenas anotados os seus conteúdos, o que poderia levar a uma entrega efetiva de gás com diferentes composições e sem a estabilidade tão importante para os processos industriais. Essa modificação, afirma a Abiquim, causaria prejuízos ao tratamento e a separação dos insumos, além de levar a uma maior emissão de CO² e gases poluentes, pela queima de mais moléculas de carbono.

Os líquidos do gás (etano, propano, butano e C5+), produtos que são utilizados como matéria-prima principal para a petroquímica, além de serem utilizados na produção do GLP, o conhecido gás de cozinha, têm aplicações muito específicas e, por vezes, até mais nobres que o próprio gás natural. De acordo com a Abiquim, a alteração pretendida pelos produtores poderia causar danos ao meio ambiente, uma vez que mais moléculas de carbono estariam inseridas no gás consumido; aos equipamentos industriais, com perda de eficiência e aumento dos custos de produção; à segurança dos gasodutos e nos equipamentos de uso doméstico, comercial e automotivo; e para a própria química, com a queima de valiosa matéria-prima petroquímica (etano), que deixará de ser destinada ao mercado.
Mais custo, menos qualidade

Os monitoramentos realizados pelas empresas associadas à Abiquim, nos principais estados consumidores de gás natural, mostram que essa variação do poder calorífico do gás natural fornecido, em especial com origem do Rota 1, tem sido superior (5% em média) ao valor de referência (PCS = 9.400 kcal/m³) previsto na Resolução 16/2008. “Essa oscilação está diretamente ligada ao aumento do teor de líquidos contido na molécula do gás”, afirma André Passos.

“Além de os consumidores terem recebido um gás de pior qualidade, também pagaram mais caro por esse gás”, completa o Presidente-Executivo da Abiquim. Em janeiro de 2021, o custo da molécula do gás acrescido da parcela de transporte era de US$ 6,4/MMBTU (unidade de medida térmica para gás natural que equivale a 26,8 metros cúbicos de gás natural), segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME). Em abril de 2024, esse valor chegou a US$ 11,9/MMBTU, representando um aumento em dólares de surpreendentes 87%.

A título de comparação, nos Estados Unidos, mesmo com as adversidades dos conflitos geopolíticos que elevaram as cotações no mundo, o gás estava cotado em US$ 2,7/MMBTU em janeiro de 2021, caindo para US$ 1,60/MMTU em abril de 2024, também conforme relatório do MME.
Agenda propositiva

Em agosto, o setor celebrou a assinatura do decreto que deve reduzir o preço do gás natural e aumentar sua oferta no país, reconhecendo que essa é a oportunidade para produzir mais insumos, seja ele associado ou não ao petróleo. Em seus debates, a Abiquim tem apresentado diversos estudos para contribuir com a busca de soluções que levem ao aumento da oferta de gás, diversidade de ofertantes e, como consequência da maior concorrência, a um preço mais justo e competitivo.

No âmbito da Coalizão pela Competitividade do Gás Natural Matéria-Prima, a entidade contribuiu com sugestões de alternativas que agora podem ser implementadas, como novas rotas de escoamento, a exploração de gás não convencional, o mercado livre para o inusmo, a revisão de tarifas de transporte e distribuição de gás, entre outras.

No primeiro semestre desse ano, a associação e a Petrobras assinaram um Protocolo de Intenções. O objetivo do acordo é desenvolver oportunidades para a companhia e os associados da entidade, a fim de identificar novos potenciais negócios nas áreas de gás natural e/ou energia.

A Abiquim também integrou as comitivas brasileiras que estiveram na Argentina e na Bolívia para tratativas relacionadas ao fornecimento de gás pelo país vizinho. Em consonância com outros setores, o segmento químico entende que, a partir das conversas realizadas, será possível iniciar rodadas de negociação para a contratação de gás argentino (Vaca Muerta) e boliviano sem a participação da Petrobras, o que será fundamental para aumentar a concorrência no mercado de gás. Isso proporcionará maior liquidez e ajudará a viabilizar o insumo vindo do pré-sal, estimulando também uma maior integração energética na América do Sul.