A expansão da indústria de etanol de milho no Brasil, que em cinco anos saiu de uma fatia de 2% para 19% da oferta do biocombustível no país, deve ganhar força nos próximos anos. Um levantamento do Itaú BBA, obtido pelo Valor, de projetos avaliados pela equipe de crédito do banco, indica que há hoje 22 projetos de construção de novas usinas ou de ampliação de fábricas, e que devem demandar investimentos de R$ 20 bilhões.
Esses projetos devem agregar mais 6 bilhões de litros de capacidade de produção anual de etanol e implicam demanda adicional por milho de 14 milhões de toneladas ao ano. Para o mercado de etanol, isso representa crescimento de 20% na oferta do combustível em relação à safra atual (2024/25). Para o milho, um aumento de 80% da demanda em relação ao volume que é processado hoje para fabricar o biocombustível.
Como se trata de um mapeamento, nem todos os projetos devem ser implantados de imediato e alguns podem não ser concretizados. “Acreditamos que metade saia no curto prazo”, diz Guilherme Theodoro, gerente de crédito de agronegócios do Itaú BBA.
Uma projeção da área de comercial do banco indica que a produção de etanol de milho deve aumentar em 1,3 bilhão de litros em duas safras, saindo de 6,3 bilhões de litros na temporada passada (2023/24) para 8,7 bilhões de litros na próxima (2025/26).
Uma característica comum à maior parte dos projetos é sua expansão sobre áreas onde ainda não há esse tipo de indústria, como no norte de Mato Grosso e no Matopiba — confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
É o caso da Tocantins Bioenergia, joint venture formada pela Agrojem, que atua na produção de grãos e confinamento de gado, com 50% de participação, pela ACP Bioenergia (35%), que cultiva cana e grãos, e a trading Czarnikow (15%).
A empresa vai erguer uma planta em Miranorte (TO). “Do ponto de vista logístico, o Tocantins está muito bem posicionado. É o melhor Estado para levar etanol ao Nordeste”, afirma José Eduardo Guimarães Motta, sócio da Agrojem. Além disso, a Agrojem e a ACP, que plantam na região, vão garantir a oferta de até 40% do milho para a fábrica e a Agrojem vai comprar subpDDG e WDG para suas unidades de confinamento.
A instalação de usinas nessas regiões aumentará a demanda pela produção de milho local e até turbinar o cultivo de milho safrinha, acredita Lucas Brunetti, consultor agro do Itaú BBA.
Nas contas do banco, a demanda adicional faria a Bahia, por exemplo, deixar de ter excedente exportável de milho (hoje em 1,25 milhão de toneladas por safra), para ter um déficit de 350 mil toneladas. As projeções foram feitas considerando-se uma estabilidade na produção de milho nos Estados.
No Maranhão e no Piauí, os excedentes exportáveis seriam reduzidos em 1 milhão de toneladas em cada Estado, fazendo com que o superávit estadual ficasse em 1,14 milhão de toneladas e 130 mil toneladas, respectivamente. No Tocantins, o excedente cairia pela metade, para 830 mil toneladas.
A maior diferença deve ocorrer em Mato Grosso, onde o excedente de milho para exportação seria enxugado em 7,2 milhões de toneladas. Atualmente, a produção de etanol no Estado a partir do grão consome 24% da safra anual. Se a produção agrícola for mantida, as novas plantas devem elevar sua participação na demanda pelo grão local para 38%.
A maior parte das plantas em Mato Grosso hoje está na rota da BR-163, e agora novas unidades devem ser erguidas na BR-158. É o caso da unidade anunciada pela Agrícola Alvorada, que comercializa grãos e vai erguer sua primeira unidade em Canarana. A empresa conseguiu financiamento de R$ 500 milhões do BNDES via Fundo Clima, com assessoria financeira da FG/A. Segundo Juliano Merlotto, sócio da consultoria, o valor deve ser suficiente para erguer a unidade, com investimento estimado de R$ 600 milhões.
Em seu levantamento, o Itaú BBA também estima redução dos excedentes exportáveis em Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e Rondônia. Para Brunetti, as plantas inicialmente devem elevar o preço regional do grão, e no médio prazo impulsionar o cultivo.
Ao mesmo tempo, essas indústrias vão aumentar a oferta local de etanol onde hoje o biocombustível tem pouca competitividade em relação à gasolina. Se Mato Grosso, por exemplo, já produz hoje 4,15 bilhões de litros de etanol a mais do que consome internamente, com as novas plantas essa diferença saltaria para 7,24 bilhões de litros, calcula o Itaú BBA.
Já a Bahia praticamente deixaria de precisar comprar etanol de fora do Estado — atualmente, compra 689 milhões de litros por ano —, e o Maranhão deixaria de ser um importador do biocombustível de outros Estados para ter excedente de 303 milhões de litros por ano.
Os cálculos consideraram um consumo estável do etanol nos Estados, mas o aumento da oferta deve pressionar o preço do produto. “Nesses Estados, a paridade [do preço do etanol hidratado perante a gasolina] é alta porque o preço do etanol é bem alto, mas [esse preço] vai ter que cair para incentivar o consumo”, avalia Theodoro. “Se saírem todas essas plantas, vamos ter uma oferta adicional de etanol mais rápida do que [aumento da] demanda”, acrescenta.
Segundo o Itaú BBA, o investimento para erguer uma usina de etanol de milho está em torno R$ 3,50 por litro de capacidade de produção de etanol, ou em R$ 1.200 por tonelada de milho de capacidade de processamento. Esses valores abrangem indústria e armazenagem de grãos. Se for considerada a necessidade de capital de giro para compra de milho, os projetos mapeados devem demandar mais R$ 9 bilhões, estima o banco.
Parte dos projetos já conseguiu crédito com o BNDES com taxas de juros baixas, mas nem sempre o banco cobre toda a necessidade, observa Theodoro. Por meio do Fundo Clima, o banco de fomento aprovou R$ 1,5 bilhão para novas indústrias de produção de etanol de milho — menos de 10% que o setor privado prepara de investimentos para o setor. Por isso, o gerente avalia que “tem espaço para [o banco privado] preencher” no financiamento dessa expansão.