O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda aumentar o controle do Poder Executivo sobre as agências reguladoras. Um dos modelos em análise permite a troca de diretores por critério de desempenho.
A discussão ganhou força com a insatisfação em relação ao desempenho da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) durante a crise da falta de energia em São Paulo, mas já vinha incomodando o núcleo do governo há mais tempo.
Na última reunião de articulação política, em 14 de outubro, Lula externou descontentamento com as agências, que avalia estarem aparelhadas por bolsonaristas ou muito influenciadas por empresários do setor.
Diante disso, o chefe do Executivo determinou que fosse estudada uma revisão da Lei Geral das Agências, coordenada pela AGU (Advocacia-Geral da União). A primeira reunião do grupo de trabalho ocorreu nos últimos dias.
As premissas das mudanças serão ampliação da transparência das decisões; melhoria da prestação de contas e controle social; aperfeiçoamento dos mecanismos de avaliação; aperfeiçoamento dos instrumentos para prevenir conflitos de interesse; e reforço da autonomia para evitar interferência política.
Quanto aos mandatos dos diretores, a ideia não seria encurtar o tempo, que hoje é de cinco anos, mas adotar critérios para avaliar o desempenho.
Nesse caso, poderia ser criado um órgão supervisor que fizesse esse controle e pudesse, no limite, demitir um diretor, caso ele esteja em desacordo com as metas estabelecidas, como mostrou o Painel.
Há modelos assim nos Estados Unidos (Office of Information and Regulatory Affairs), Canadá (Treasury Board) e na Inglaterra (UK’s Regulatory Policy Committee), e ainda em outras instituições, como a Comissão Europeia (Better Regulation).
A legislação determina hoje três hipóteses para perda de mandato: renúncia, condenação judicial ou processo administrativo disciplinar.
O governo vê problemas em relação à transparência das agências. O diagnóstico geral é de que a forma como está desenhada a autonomia das agências hoje permite que elas não prestem contas sobre diferentes aspectos.
Um auxiliar de Lula citou, por exemplo, o fato de que diretores de agência podem viajar quando e por quanto tempo julgarem necessário, enquanto um ministro de Estado precisa de autorização do presidente da República para fazê-lo.
De acordo com interlocutores do chefe do Executivo, há um descompasso entre as políticas públicas do governo e a atuação das agências.
Mas há ainda preocupação com a criação de um modelo novo que dê segurança para os investidores internacionais. Por isso, o processo é feito por meio de grupo de trabalho, com discussão cautelosa.
O grupo de trabalho será composto pela AGU, como coordenadora, Casa Civil, além de ministérios da Fazenda, da Gestão, do MDIC (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e outras pastas que possuem agências reguladoras vinculadas a elas.
Para estabelecer mudanças na Lei Geral das Agências, será preciso aprová-las no Congresso. Mas já há uma sinalização positiva, ao menos da Câmara dos Deputados.
Em conversas reservadas, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que os deputados poderão se debruçar sobre mudanças na lei que disciplina a atuação das agências reguladoras ainda neste ano.
Na avaliação do parlamentar, apesar de a crise da Enel ter catalisado a discussão, essas mudanças não devem ser restritas somente ao setor de energia. A interlocutores, afirmou que as agências foram capturadas por atuação intensa dos lobbies, e que é preciso o Congresso dar uma resposta a isso.
O ministro mais vocal nas queixas contra as agências tem sido Alexandre Silveira (Minas e Energia), que tem reclamado principalmente da falta de sintonia entre as políticas defendidas e estabelecidas pelo governo e os atos dessas autarquias.
Ele defendeu publicamente uma mudança legal para que os mandatos dos diretores coincida com o do presidente da República. Também chegou a pregar o fim do mandato dos dirigentes, o que encontra resistências no restante do governo.
“Para te falar a verdade, eu não concordo com o mandato”, disse. “Sabe por que eu não concordo com o mandato? Porque a autonomia hoje, já tem”, afirmou.
No começo do mês, antes dos problemas de energia vistos em São Paulo, Silveira criticou a Aneel dizendo que a agência vive um quadro de “completa desarmonia” entre diretores, área técnica e em relação a seu papel como regulador da legislação do país.
O diagnóstico é compartilhado por parlamentares. O deputado Danilo Forte (União-CE) afirmou em comissão do Congresso há cerca de quatro meses que há “concorrência” entre as agências e o ministério na construção de políticas públicas, citando como exemplo mudanças feitas pela ANM (Agência Nacional de Mineração) no critério de distribuição de contribuição mineral.
“Eu tenho uma visão crítica com relação a isso, porque acho que quem tem que ser formulador de política pública é o Poder Executivo e o Poder Legislativo”, afirmou em junho.
Na mesma reunião, o deputado Sidney Leite (PSD-AM) afirmou que as agências passaram a defender o interesse privado. “Quando se vai à Anatel, parece que são advogados das concessionárias de telefonia; e na Aneel, não é diferente. Toda vez em que se procura a Aneel, ela está defendendo a empresa e não o cidadão”, disse.