A aceleração da eletrificação da frota de veículos leves individuais vai abrir potencial de R$ 200 bilhões em negócios no Brasil, em 2030, calcula a consultoria Mirow & Co. O uso crescente de automóveis movidos a eletricidade vai impactar os setores automotivo e elétrico e em serviços como recarga, reposição de autopeças, manutenção e locação de veículos.
“O período para planejamento e investimentos já começou. O programa Mover, do governo federal, e a série de anúncios de investimentos de montadoras para produção de veículos híbridos e elétricos no país representam um marco zero do processo de eletrificação da frota e de várias transformações que ela vai provocar no mercado”, afirma Felipe Diniz, sócio e líder do estudo na Mirow & Co., consultoria de estratégia atuante nos setores de energia e automotivo, entre outros.
Stellantis, Toyota, Great Wall Motor, Volkswagen, GM, BYD, Hyundai, Renault, CAOA, Mitsubishi e Nissan anunciaram, recentemente, investimentos mais de R$ 100 bilhões no país até 2032 para a produção de elétricos e híbridos.
De 2016 a 2022, no Brasil, a frota de veículos elétricos aumentou 122%, enquanto EUA, Europa e China alcançaram 32%, 60% e 65% de crescimento, respectivamente. Apesar de largar atrás dos principais players globais, a comercialização de veículos elétricos no Brasil segue em expansão mais acelerada, com perspectiva de entrar este ano no chamado mercado de massa. Embora alguns veículos elétricos sejam comercializados na faixa de preço de R$ 150 mil a R$ 330 mil, dois terços do market share de veículos no país são de modelos de até R$ 120 mil. Esse cenário muda com o posicionamento do BYD Dolphin Mini, do Chery iCar e Renault Kwid e-Tech, criando opções de compra abaixo dessa faixa de preço.
No período de janeiro de 2023 a janeiro de 2024, houve um crescimento de quase 250% na aquisição de veículos leves plug-in, resultando em uma frota de mais de 100 mil unidades.
Os veículos elétricos já são mais atrativos economicamente do que os veículos de combustão interna para quem roda a partir de 30 mil km por ano. O custo total de aquisição, que considera compra e manutenção por cinco anos, já é menor para taxistas e motoristas de aplicativo.
Uma pessoa que dirige de casa para o trabalho, escola e compras durante a semana, e realiza trajetos para lazer nos fins de semana, alcança rodagem média de 13 mil km por ano. Para esses, a compra dos eletrificados deve ser mais vantajosa a partir de 2028.
Como efeito da nacionalização da produção de veículos eletrificados, que deve ter início em 2025, o custo total de propriedade desses automóveis vai ser igual ao custo total de propriedade do veículo a combustão em 2028. O cálculo considera os gastos para aquisição e manutenção de um Dolphin, da BYD, um dos modelos elétricos mais populares atualmente, que possui autonomia anunciada de 280 km por recarga.
Como consequência, a quantidade de veículos elétricos no país tem o potencial de atingir quase 4 milhões de unidades até 2030, podendo variar entre um milhão e seis milhões dependendo de cenários um cenário mais pessimista ou otimista. Nesse cenário de variação, veículos elétricos representariam de 2% a 11% da frota total, segundo o estudo da Mirow &Co.
“A popularização dos veículos elétricos no Brasil e no mundo vai avançar de forma consistente até o início da próxima década, proporcionando o surgimento de novos negócios e a transformação de negócios já existentes. O período até 2030 será determinante para a consolidação do novo mercado automotivo e dos segmentos correlatos”, avalia Diniz.
Esse crescimento da frota eletrificada vai transformar o mercado, com potencial de movimentar mais de R$ 200 bilhões por ano, a partir de 2030, em toda a cadeia – no setor automotivo como um todo e em vários segmentos adjacentes, como o elétrico, que também terá impacto no consumo e na distribuição. Serão R$ 167 bilhões no setor automotivo, R$ 17 bilhões em autopeças e locação de veículos, R$ 14 bilhões em serviços de recarga, e R$ 10 bilhões no setor elétrico.
“A eletrificação vai promover novos negócios entre empresas de setores que serão convergentes, como o de recarga e o de distribuição de energia elétrica, por exemplo. Haverá fusões e aquisições com vistas a essa nova realidade”, ressalta Diniz.
Recarga
A maior parte das recargas dos veículos de passeio acontecerá em ambiente doméstico, com 73% a 84% dependendo do indicador e da geografia analisados, conforme estudos realizados a partir dos hábitos observados em mercados mais desenvolvidos.
Os postos de combustível precisarão se adaptar para oferecer serviços de recarga e fornecer outras fontes de energia, como o gás natural veicular (GNV), enquanto verão reduzir as vendas de combustíveis líquidos. Transformados em postos de multisserviços em mobilidade, esses estabelecimentos vão atender principalmente aqueles usuários que passam mais tempo fora de casa, como taxistas, motoristas de aplicativos e viajantes.
Essas mudanças também vão abrir espaço para para empresas especializadas em gestão de pontos de recarga e fabricantes de carregadores. Esse serviço também será necessário em frotistas (ex. transportadoras), condomínios residenciais e comerciais, shopping centers, estacionamentos e outros locais que concentram veículos. A tendência apresenta um potencial de mercado de aproximadamente R$ 14 bilhões anuais em infraestrutura e serviços de recarga.
Serviços elétricos
A previsão é de que até 2030 a demanda de recarga de veículos elétricos de passeio amplie em 2% o consumo nacional de eletricidade. A título de comparação, nos últimos 12 meses, o país consumiu 68.877 megawatts médios, segundo a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), com uma alta de 4,3% sobre o período anterior influenciada pelo aumento da produção da indústria e pelas ondas de calor.
Esses dois pontos percentuais advindos da eletrificação de veículos de passeio não devem impactar significativamente os segmentos de geração e transmissão. O aumento no consumo de energia vai refletir sobretudo na distribuição, gerando potencial de R$ 10 bilhões anuais para as companhias.
Autopeças e locação de veículos
Os segmentos de autopeças, manutenção de veículos e locação de autos também já são impactados pela eletrificação e a estimativa é de que, em 2030, a eletrificação gere R$ 17 bilhões anuais em negócios.
As locadoras, por exemplo, compram mais de um quarto da produção de automóveis no país, de acordo com a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), e os eletrificados vêm ganhando espaço nesse volume, principalmente para atender à terceirização de frota. Em 2022, foram 3,3 mil veículos eletrificados adquiridos pelas locadoras, segundo a Abla (Associação Brasileira de Locadoras de Veículos), com crescimento de 88,9%.
Para empresas de autopeças e manutenção, poderá haver um impacto de receita uma vez que o custo de manutenção de veículos elétricos é menor do que nos veículos a combustão (excluindo bateria e peças do powertrain). A oportunidade está na especialização em serviços e produtos voltados para esse mercado, potencialmente atenuando a queda na demanda por serviços voltados aos carros a combustão.