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O que levam fornecedores a se opor ao conteúdo local em discussão no Mover?

Trabalhadores em operação do Estaleiro Atlântico Sul e, ao fundo, estrutura de navio-plataforma em construção (Foto: Saulo Cruz/MME)

Após alteração no texto do PL do Mover no Senado, a Câmara dos Deputados pode retomar nesta terça (11/6) a votação do texto sem a emenda que tratava da fixação de índices obrigatórios de conteúdo local para a contratação de bens e serviços em projetos de petróleo e gás.

Iniciativa de Áureo Ribeiro (Solidariedade/RJ) e aprovada com apoio da base do governo Lula, a criação de um marco legal para a política industrial do setor levantou críticas do próprio mercado fornecedor.

Levou a um temor que as regras poderiam desacelerar encomendas, além de atravessar discussões em curso com o governo Lula.

Em contrapartida, diferentes segmentos defendem retomar discussões para substituir a lógica de punições pelo descumprimento dos índices contratuais por bonificações – uma tentativa foi iniciada no governo de Dilma Rousseff, com a criação do Pedefor.

O Ministério de Minas e Energia (MME) bancou a elevação de índices na reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em dezembro. Levou em conta o que o mercado brasileiro tem conseguido entregar e defende que a política deve sempre passar por esse tipo de análise.

O Brasil, inclusive, é um dos países com maiores requisitos de conteúdo local, entre grandes produtores de petróleo.

Ribeiro defende a emenda, afirma que é preciso garantir mínimos legais e, assim, evitar que as petroleiras, com a anuência do governo, descumpram os percentuais. Mesmo com o recuo do governo no Congresso Nacional, afirma que voltará a apresentar um destaque para reincluir as emendas no Mover.

Ainda há, portanto, apreensão quanto à aprovação na votação desta terça.

Os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia), Geraldo Alckmin (Indústria e Comércio) e Alexandre Padilha (Articulação Política) trabalharam para derrubar o trecho que estabelece índices para contratação de bens e serviços de empresas nacionais, durante as discussões no Senado Federal.

Óleo, gás e engenharia contra a emenda

O Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP), a Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo (Abespetro) e a Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) já manifestaram preocupação com a emenda do deputado Áureo Ribeiro.

Até mesmo o Sinaval, que representa os estaleiros, foi contrário ao capítulo incluído no Mover.

Para a Abemi, os termos da emenda proposta causarão impacto nas associadas que atuam na construção e montagem de projetos offshore.

O IBP disse, em nota, que o dispositivo foi incluído de última hora e sem o debate necessário com o setor produtivo. Sustentou que a emenda representa grave barreira para a viabilidade de projetos, tendo sido estabelecido sem qualquer estudo técnico mais aprofundado.

Incentivos para quem cumpre

Para o presidente executivo da Abespetro, Thelmo Ghiorzi, é melhor “premiar quem faz mais do que multar quem faz menos”.

Ghiorzi diz ver com alívio a retirada da emenda do projeto aprovado pelo Senado, mas teme que lideranças do governo na Câmara possam querer ressuscitar o projeto, visto que a pauta do conteúdo local é uma bandeira histórica do PT.

“O texto [da emenda do deputado Áureo Ribeiro] tem vários pontos negativos. Primeiro, está no lugar errado. Um assunto ultra complexo que requer ainda, com muito otimismo, alguns meses de debate entre vários atores para que se chegue a um lugar”, defendeu.

Questionado se a associação defende que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) seja o responsável pela análise e fixação dos índices obrigatórios de conteúdo local, o presidente executivo da Abespetro defendeu que haja uma política industrial de longo prazo.

“Em qualquer lugar do mundo em que a política industrial funcionou, demorou 10 anos, 15 anos, 20 anos. Então, é óbvio que deixar isso na mão do poder executivo é insuficiente, porque senão vira apenas política de governo. Para virar política de Estado, precisa virar lei”, defendeu.

Ghiorzi cita o decreto nº 8.637/2016, editado no governo Dilma e abandonado no governo Bolsonaro, como um bom ponto de partida para definir os papéis dos fornecedores locais de bens e serviços para o setor.

O texto instituía o Pedefor – Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural.

A partir do decreto, estava prevista o incentivo aos fornecedores no país, incluindo bonificações a consórcios ou empresas que promovessem investimentos, celebração de contratos e aquisição de bens e serviços no Brasil.

Brasil é o 4º no ranking global de conteúdo local

Estudo da empresa de pesquisa em energia e inteligência de negócios, Rystad Energy (.pdf) mostra que o Brasil ocupa a quarta posição, dentre os grandes produtores de petróleo, em requisitos de conteúdo local.

“Comparando os requisitos de conteúdo local atuais do Brasil com os de outros grandes países produtores de petróleo, fica claro que a nação sul-americana já ocupa uma alta posição, com Angola, Nigéria e Arábia Saudita também possuindo exigências rigorosas”, diz trecho do estudo.

O texto explicita que requisitos anteriores de conteúdo local renderam alguns frutos para o Brasil no segmento submarino.

O desenvolvimento de projetos de águas profundas na Guiana fez com que o Brasil desempenhasse um papel fundamental na exportação de linhas de escoamento. “Essas exportações tendem a aumentar junto com o crescimento da produção da Guiana”, estima a Rystad.

Os autores da pesquisa apontam que um ponto chave para o futuro da exploração e produção de óleo e gás seja a reavaliação da metodologia punitiva atual, na qual as empresas optam por pagar uma penalidade financeira em vez de cumprir as regras de conteúdo local.

A alternativa sugerida inclui implementar um sistema pelo qual o cumprimento das regras resulte em futuras isenções fiscais. Assim, investimentos em conteúdo local realizados durante a fase de exploração e produção seriam compensados com isenções fiscais durante a fase de produção, por exemplo.

Geraldo Alckmin, juntamente com Alexandre Silveira tiveram de entrar na interlocução com o Senado para barrar a emenda. O ministro de Minas e Energia disse ser favorável às regras de conteúdo local, mas defende que a competência seja mantida com o CNPE, presidido por ele.

Em nota, o MME o disse que acompanha periodicamente os índices de conteúdo local e participa de iniciativas da Casa Civil em conjunto com outros ministérios, como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), para fortalecer o conteúdo local e a indústria nacional.

A Nova Indústria Brasil (NIB), lançada por Alckmin em janeiro, estabelece o cumprimento de requisitos de conteúdo local para estimular o setor produtivo, mas não especifica o setor de óleo e gás, nem define percentuais.

O que diz a emenda?

A emenda de Áureo Ribeiro ao PL 914/2024 busca estabelecer em lei os percentuais mínimos de conteúdo local obrigatórios em licitações de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural sob regime de partilha de produção e concessão.

Todas as mudanças entrariam em vigor para os contratos de exploração. Os próximos leilões estão previstos para 2025, o que levaria a investimentos em sísmica e poços a partir da segunda metade dessa década; e em plataformas de produção para meados da década de 2030.

Ribeiro argumenta, inclusive, que os percentuais estão alinhados com o que é exigido atualmente e a lei é necessária para evitar o descumprimento da política. No governo de Michel Temer, o conteúdo local foi reformado e as petroleiras tiveram o direito de reduzir as exigências nos contratos já assinados.

Atualmente, a definição desses critérios é de competência do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

O texto também dá diretrizes, como o cálculo das multas — um valor em relação aos investimentos não cumpridor — e impede a concessão de waiver, a isenção regulatória que pode ser concedida se ficar comprovado que os percentuais não podem ser cumpridos.

No regime de partilha de produção, os percentuais mínimos seriam:

  • Fase de exploração: 20%
  • Etapa de desenvolvimento da produção ou por módulo: 30% para construção de poço (25% bens e 5% serviços); 40% para escoamento de produção (30% bens e 10% serviços); e 30% para unidades de produção (25% bens e 5% serviços).

Já para os contratos de concessão:

  • Blocos em terra: 50% para exploração; e 50% para desenvolvimento e produção (25% bens e 25% serviços);
  • Blocos no mar: 18% na exploração; 30% na construção de poço (25% bens e 5% serviços); 40% no escoamento (30% bens e 10% serviços); e 30% para plataformas 30% (25% bens e 5% serviços)
Autor/Veículo: EPBR