Não há nada mais simples na natureza do que o hidrogênio. Ele é o primeiro elemento químico da tabela periódica, está nas moléculas de água e no ar atmosférico e, fora do planeta Terra, responde por 75% da massa de todo o Universo.
Na economia global, o que é simples pode ser uma verdadeira mina de ouro. O hidrogênio vem sendo chamado de “combustível do futuro”, graças ao potencial de geração de energia e o papel que ele pode desempenhar na transição energética.
Mas não é qualquer hidrogênio que interessa: é o “verde”, dentre um espectro de cores que vêm sendo usadas para designar o grau de sustentabilidade do gás (veja mais abaixo).
Também chamado de H2V, o hidrogênio verde é a versão sustentável do gás, usado para abastecer veículos movidos a células de combustível e armazenar energia produzida por fontes renováveis, além de servir de matéria-prima para produtos da indústria de aço, farmacêutica e de metais. Ele pode ser aproveitado inclusive para a produção de fertilizantes para agricultura, sobretudo a amônia.
Os investimentos para produzi-lo têm galgado posições na casa dos bilhões de dólares: a previsão é que esse mercado movimente US$ 350 bilhões globalmente até 2030, de acordo com um estudo da consultoria Thymos Energia. Só no Brasil, a estimativa é de US$ 28 bilhões, 8% do total.
O carimbo “verde” deriva da forma com que ele é produzido. Apesar de abundante na natureza, o hidrogênio raramente é encontrado em sua forma elementar (H2) e quase sempre integra moléculas mais complexas, como o metano (CH4) —o gás natural— e a própria água (H2O).
Para extraí-lo desses componentes, é preciso empregar energia elétrica. Quando a eletricidade usada para quebrar a molécula vem de fontes sustentáveis, como eólica e solar, o hidrogênio resultante é chamado de verde.
O processo de quebra da molécula de água —chamado de eletrólise— termina com H2 de um lado e O2, oxigênio que respiramos, de outro.
De acordo com cálculos do Coppe-UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de pós-graduação e pesquisa de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), é preciso empregar 58 kWh para produzir 1 kg de gás hidrogênio verde —cerca de um terço do consumo médio mensal de uma casa, que gira em torno de 150 kWh.
Pode parecer estranho gastar mais energia para produzir o hidrogênio do que ele seria capaz de prover depois (40 kWh por quilo), mas o objetivo do gás não é gerar eletricidade, e, sim, substituir os combustíveis fósseis em setores que são muito difíceis de descarbonizar, como produção de aço e aviação.
Assim, por mais que ele gere menos energia do que ele “consome” na produção, ele vale muito a pena, porque emite muito menos. O hidrogênio tem a maior densidade energética entre os combustíveis disponíveis hoje: os 40 kWh que um quilo do gás é capaz de gerar equivalem à mesma energia gerada por 2,4 kg de metano ou 2,8 kg de gasolina (aproximadamente 4 litros).
QUAIS SÃO AS OUTRAS ‘CORES’ DO HIDROGÊNIO?
Quando o hidrogênio é obtido da quebra de outras moléculas que não a da água, ou a energia usada no processo deriva de outras fontes, ele é classificado com outras cores. O gás, vale a ressalva, é incolor.
O hidrogênio “cinza” deriva da queima de combustíveis fósseis, em especial o gás natural, por meio de um processo chamado de “reforma a vapor”. O procedimento libera grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Se esse CO2 for capturado e armazenado no solo, o hidrogênio deixa de ser cinza e passa a ser chamado de hidrogênio “azul” —pois, nesse caso, a captura do gás carbônico neutraliza seu efeito poluente.
Quando o hidrogênio vem da gaseificação do carvão, leva as cores “preto” e “marrom”, diferenciadas a partir do tipo de carvão usado. O preto vem do betuminoso; o marrom, do linhito. O processo é considerado altamente poluente, uma vez que libera CO2 e monóxido de carbono (CO) na atmosfera.
Na paleta de cores, também entram rosa ou roxo, que, assim como o verde, são produzidos a partir da quebra da molécula de água. A diferença é que a energia usada é a nuclear: o hidrogênio rosa é produzido a partir da energia elétrica gerada por uma usina, enquanto o processo para obtenção do hidrogênio roxo também emprega calor.
Há ainda o hidrogênio “branco”, também chamado de “natural” ou, em alguns países, de “dourado”, um dos poucos casos em que o elemento químico aparece em sua forma elementar.
Ele naturalmente deriva da crosta terrestre e se forma no subsolo, quando água aquecida encontra rochas ricas em ferro e libera H2. O diferencial do branco para o verde é que ele não precisa passar pela eletrólise, o que o torna mais barato –mas não mais fácil de encontrar.
Reservas subterrâneas de hidrogênio branco vêm sendo identificadas aos poucos, e a última grande descoberta ocorreu no final do ano passado, em Lorraine, na França. Lá, a estimativa dos geólogos é que existam até 250 milhões de toneladas do gás, mas ainda não existem estratégias claras de como alcançá-lo e, mais do que isso, extraí-lo. Se comprovada a abundância, pode se tratar de um “Santo Graal” da energia, como alguns especialistas já vêm chamando.
Enquanto isso não acontece, o hidrogênio verde continua sendo a bola da vez. Mas não sem entraves.
QUAL É A POSIÇÃO DO BRASIL NO MERCADO DE PRODUÇÃO DE HIDROGÊNIO VERDE?
As condições climáticas favoráveis à geração de energia solar e eólica colocam o Brasil no centro do debate do “combustível do futuro”.
De acordo com a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), 45% da matriz energética brasileira vem de fontes renováveis, sendo que a matriz elétrica —que considera apenas a produção de energia elétrica— é mais de 80% limpa (contra 28% de todo o mundo).
A alta oferta coloca o país entre os mais competitivos em termos de preço, e um forte candidato a se tornar um dos principais produtores e exportadores de hidrogênio verde.
Um estudo da BloombergNEF projeta o Brasil como um dos únicos capazes de oferecer hidrogênio verde a um custo inferior a US$ 1 por quilo até 2030. Considerando o longo prazo (2050), a cifra pode cair para US$ 0,55/kg.
Mas, para viabilizar esse cenário, o país precisará investir alto na indústria, algo em torno de US$ 200 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão) até 2040, segundo estimativas da consultoria McKinsey.
A primeira fábrica de H2V está sendo construída no município de Camaçari, na Bahia. Em julho de 2022, a Unigel, empresa especializada em fertilizantes nitrogenados, anunciou o projeto, com investimento inicial de US$ 120 milhões (cerca de R$ 590 milhões). A usina deve entrar em operação neste ano.
O Nordeste guarda a promessa de maior concentração de fábricas de H2V no Brasil. A região quer se posicionar como polo produtor, graças ao alto potencial de geração de energia solar e eólica, além da maior proximidade com o mercado europeu, um dos mais interessados no hidrogênio verde.
O Ceará é o estado com o maior número de projetos já anunciados, mas Bahia, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte vêm logo atrás.
O interesse internacional no Brasil, sobretudo de países europeus, também tem crescido. A Alemanha, por exemplo, tem financiado projetos de hidrogênio verde em laboratórios de universidades federais, notadamente a UFSC, em Santa Catarina, a UFRJ, no Rio de Janeiro, e a de Itajubá, em Minas Gerais.
Hoje, de acordo com a IEA, os Estados Unidos e a União Europeia lideram em políticas de fomento ao H2V, ao passo que a China assumiu a dianteira na implantação de usinas.
A Índia também é destaque no cenário mundial. O país aprovou, em janeiro de 2023, a chamada Missão Nacional de Hidrogênio Verde, com o objetivo de se tornar líder em fabricação de eletrolisadores e produzir 5 milhões de toneladas do combustível até 2030.
Por ora, a produção global ainda engatinha. “É uma tecnologia nova, uma indústria nova, uma demanda nova. O custo precisa ser reduzido para que a coisa deslanche, ou que existam mercados dispostos a pagar”, explica Lisbona, da FGV.
Já existem projetos que empregam o H2 —mas não o verde— como combustível, a exemplo de um trem na Alemanha, carros elétricos e o Energy Observer, o primeiro barco movido a hidrogênio do mundo.